IRPF – ATIVOS NO EXTERIOR – CUIDADOS E OPORTUNIDADES

Contribuintes têm até 31/05/2024 para declarar ativos no exterior e utilizar benefícios
por Gustavo de Moraes Roehe publicado em 25/04/2024

Em 12/12/2023, foi publicada a Lei nº 14.754, que dispõe sobre: a) a tributação de rendimentos no exterior de pessoas físicas domiciliadas no Brasil, auferidos por meio de aplicações financeiras, entidades controladas (sociedades empresárias, fundos de investimento e fundações – “offshores”) e trusts no exterior (Capítulo I); e b) a tributação dos rendimentos de aplicações em fundos de investimento no país (Capítulo II).

Recentemente, em 13/03/2024, a Receita Federal do Brasil editou a Instrução Normativa RFB nº 2.180/24 (“IN RFB nº 2180/24”), que dispõe sobre a tributação da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em ativos no exterior, e sobre a atualização do valor dos bens e direitos no exterior em 31/12/2023. Com isso, a IN traz maior detalhamento às disposições introduzidas pela Lei nº 14.754/23 e estabelece procedimentos para efetivação dessas novidades, inclusive em relação à DIRPF 2024/2023, cujo prazo de entrega termina em 31/05/2024.

Existem importantes mudanças introduzidas pela nova legislação que devem ser observadas desde já por pessoas físicas domiciliadas no Brasil que auferem rendimentos no exterior, ao mesmo tempo em que a legislação possibilita alguns ajustes na DIRPF do ano de 2024 (relativa aos rendimentos percebidos em 2023) que podem minimizar futuros efeitos fiscais, detalhadas abaixo:

  1. Investimentos Diretos em Aplicações Financeiras no Exterior

Em regra, os rendimentos auferidos em aplicações financeiras no exterior serão tributados à alíquota de 15% de Imposto de Renda (“IRPF”), e deverão ser declarados na Declaração de Ajuste Anual (“DAA”) do investidor pessoa física residente no País.

Nos termos do art. 9º da IN RFB nº 2.180/24, consideram-se aplicações financeiras no exterior quaisquer operações financeiras fora do País, como depósitos bancários remunerados, certificados de depósito remunerados, títulos de renda fixa e de renda variável, operações de crédito, entre outras operações exemplificadas em seu inciso I, inclusive ativos virtuais.

Ademais, conforme inciso II do mesmo art. 9º, rendimentos são as remunerações produzidas pelas aplicações financeiras no exterior. Estarão sujeitos à incidência do IRPF quando forem efetivamente percebidos pelo contribuinte pessoa física, pelo regime de caixa, e devem ser computados na DAA do investidor, conforme art. 10, parágrafo único, da IN RFB nº 2.180/24.

A normativa mantém a possibilidade de deduzir do IRPF devido no Brasil o imposto sobre a renda pago no exterior (art. 12 da IN RFB nº 2.180/24), mas desde que esteja prevista a compensação em acordo ou convenção internacional firmado com o país de origem dos rendimentos, ou haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no País.

Por fim, nos termos dos arts. 3º e 4º da IN RFB nº 2.180/24, excetuam-se da incidência do IRPF a variação cambial de moeda estrangeira em espécie, ou em conta corrente mantida no exterior, ou em cartão de débito ou crédito no exterior, até o limite de alienação de moeda de US$ 5.000,00, desde que tais depósitos não sejam remunerados.

  • Investimentos via Entidades Controladas no Exterior

b.1) Tributação Periódica dos Lucros da Controlada por Regime de Caixa

Os lucros das offshores controladas por pessoas físicas residentes no país também estarão sujeitos à alíquota de 15% de IRPF, que deverão ser declarados na DAA do contribuinte, na proporção da participação da pessoa física nesses lucros.

Como regra, os lucros auferidos pelas offshores serão oferecidos à tributação na data de sua efetiva disponibilização para o contribuinte pessoa física, isto é, quando do seu pagamento, crédito, emprego ou remessa, na forma do art. 33 da IN RFB nº 2.180/24.

b.2) Tributação Anual dos Lucros da Controlada por Regime de Competência (“Entidades Opacas”)

Já para as offshores localizadas em países com tributação favorecida ou em paraísos fiscais, ou que apurem renda ativa inferior a 60% da renda total auferida (conforme enquadramento do art. 17 da IN RFB nº 2.180/24), os lucros apurados a partir de 01º/01/2024 serão tributados pelo IRPF independentemente da sua efetiva disponibilização ao contribuinte pessoa física. Em outras palavras, a partir de 2024, para essas offshores, a tributação dos lucros dessas entidades será automática, pelo regime de competência, sendo realizada no dia 31 de dezembro de cada ano, nos termos da redação do art. 27 da IN RFB nº 2.180/24.

Ademais, quando da disponibilização dos lucros tributados pelo mecanismo referido acima, o art. 29, §1º, da IN RFB nº 2.180/24, garante que os valores não serão tributados novamente.

Em contrapartida, os lucros apurados e acumulados até 31/12/2023 por essas offshores (“entidades controladas no exterior”) permanecem sujeitos à incidência do IRPF somente quando da sua efetiva distribuição aos seus titulares pessoas físicas residentes no Brasil, na forma do art. 6º, inciso I, da Lei nº 14.754/23.

Desse modo, é fundamental que o contribuinte observe o disposto no art. 32 da IN RFB nº 2.180/24, que estabelece alguns procedimentos específicos para evidenciação e controle do estoque de lucros acumulados em 31/12/2023 que ainda não foram distribuídos pela offshore, e que devem ser refletidos na DAA da DIRPF de 2024:

  • Os lucros acumulados deverão ser destacados em conta específica de reserva de lucros no balanço da offshore (§1º);
  • A controlada que detiver participação indireta em offshore enquadrada nas hipóteses do art. 17 da IN RFB nº 2.180/24, deverá destacar em conta específica de reserva de lucros, a parcela registrada no seu balanço correspondente ao lucro da controlada indireta (§ 2º);
  • A disponibilização dos lucros acumulados entre offshores enquadradas nas hipóteses do art. 17 da IN RFB nº 2.180/24, não estará sujeita a incidência do IRPF, devendo ser destacado esse registro no balanço da offshore que recebeu os lucros disponibilizados (§ 4º); e 
  • O imposto de renda retido na fonte no exterior sobre os dividendos recebidos por uma offshore de outra será considerado para fins de dedução do IRPF devido pela pessoa física controladora no Brasil (§ 5º).

b.3) Tributação Direta dos Investimentos da Controlada pelo Regime de Transparência Fiscal (“Entidades Transparentes”)

Alternativamente ao regime de tributação automática dos lucros apurados a partir de 01º/01/2024, aplicável a entidades controladas no exterior enquadradas no art. 17 da IN RFB nº 2.180/24 (“Entidades Opacas”), como visto acima, a pessoa física poderá optar por declarar os bens, direitos e obrigações detidos por essas offshores, como se fossem detidos diretamente pela pessoa física (regime de transparência fiscal), conforme opção outorgada pelo art. 8º da Lei nº 14.754/23 (“Entidades Transparentes”).

Em outras palavras, na “Entidade Opaca” (b.2 acima), o contribuinte pessoa física declara em sua DIRPF apenas as quotas de sua empresa no exterior. Na “Entidade Transparente”, o investidor declara em sua DIRPF todos os ativos detidos por sua offshore de forma individualizada, como se fossem detidos diretamente pela pessoa física.

Uma vantagem em optar pelo regime de transparência fiscal é de que o contribuinte passará a tributar a renda auferida com os bens e direitos detidos pela “Entidade Transparente” pelo regime de caixa, observadas as regras específicas aplicáveis a esses ativos conforme sua natureza (aplicações financeiras, imóveis), na forma do art. 37, inciso IV, da IN RFB nº 2.180/24. 

No entanto, se o investidor optar por manter no exterior os lucros da offshore auferidos em determinado ano, buscando maior aproveitamento do rendimento derivado da variação cambial da moeda estrangeira, a “Entidade Opaca” pode ser mais vantajosa. Isso se deve à previsão do art. 29, §1º, da IN RFB nº 2.180/24, que determina que os lucros da offshore tributados pelo regime de competência não estarão sujeitos à tributação quando de sua efetiva disponibilização.

Ou seja, se uma “Entidade Opaca” apurar lucro de US$ 100.000,00 em 31/12/2024, haverá a tributação de 15% de IRPF de forma automática, nos termos do art. 27 da IN RFB nº 2.180/24. Contudo, se este lucro for distribuído somente em 2030, a variação cambial da moeda estrangeira auferida neste período não poderá ser tributada, uma vez que o art. 29, §1º, da IN RFB nº 2.180/24 veda expressamente a dupla tributação de lucros já tributados.

O contribuinte que optar pelo regime de transparência fiscal deverá indicar a sua opção na DAA da DIRPF a ser entregue em 2024, para produzir efeitos a partir de 01º/01/2024, sendo que tal opção é irrevogável e irretratável durante todo o prazo em que detiver a offshore.

Além disso, o contribuinte deverá: (i) substituir o valor da participação societária na “Entidade Transparente” pelo valor dos seus bens e direitos, na ficha de bens e direitos da DAA, e alocar o custo de aquisição para cada um desses ativos, considerada a proporção do valor de cada bem ou direito em relação ao valor total do ativo da entidade, em 31/12/2023; e (ii) informar, na ficha de dívidas e ônus reais da DAA, as obrigações da offshore, cujo valor será 0 (zero).

Nesse sentido, o art. 37 da IN 2180/24 estabelece a seguinte fórmula para aferição do custo de aquisição do bem ou direito [CP x (VA/VP)], em que:

  • CP = valor histórico do bem ou direito, conforme declaração da offshore na DAA do ano de 2022, com as eventuais alterações ocorridas durante o exercício de 2023;
  • VA = valor contábil do bem ou direito registrado na offshore em moeda estrangeira em 31/12/2023;
  • VP = valor total do ativo em moeda estrangeira no balanço patrimonial da offshore em 31/12/2023.
  • Investimentos via Trust

Pode se definir o “trust” como uma relação contratual estabelecida entre o instituidor (“settlor”), que destina bens e direitos de sua titularidade para formar o trust, e um administrador (“trustee”), pessoa física ou jurídica que recebe os bens e direitos do settlor, para administrá-los de acordo com as regras do trust, em favor de um beneficiário (“beneficiary”), indicado pelo settlor para receber do trustee os bens e direitos objeto do trust, de acordo com as regras do trust.

A IN RFB nº 2.180/24 determina em seu art. 41 que os bens e direitos do trust no exterior serão considerados de titularidade do settlor após a instituição do trust, e passarão à titularidade do beneficiary no momento da distribuição pelo trust para o beneficiary ou do falecimento do settlor, o que ocorrer primeiro.

No entanto, se o trust for constituído em caráter irrevogável, a transmissão da titularidade do patrimônio do trust ao beneficiary será considerada a partir da instituição do trust, em relação à parcela do patrimônio abdicada pelo settlor, conforme parágrafo único do art. 41 acima referido.

Segundo o art. 42 da IN RFB nº 2.180/24, a mudança de titularidade sobre o patrimônio do trust será considerada como transmissão, a título gratuito, do settlor para o beneficiary. Se ocorrida durante a vida do settlor, considera-se como doação. Se decorrente do falecimento do settlor, consistirá em transmissão causa mortis.

A tributação sobre os rendimentos e os ganhos de capital relativos aos bens e direitos objeto do trust serão considerados auferidos pelo titular de tais ativos, conforme prevê o art. 41 da IN RFB nº 2.180/24, e serão submetidos à incidência do IRPF, conforme as regras aplicáveis ao referido titular, na inteligência do art. 43 da IN RFB nº 2.180/24.

Ainda, segundo o parágrafo único do mesmo art. 43, caso o trust detenha uma offshore no exterior, esta será considerada como detida diretamente pelo titular dos bens e direitos objeto do trust, que poderá ser o settlor ou o beneficiary. Desse modo, é possível afirmar que o trust é tratado pela legislação como uma “Entidade Transparente”, uma vez que o titular deverá declarar os bens e direitos objeto do trust diretamente em sua DIRPF, como se fossem detidos diretamente pela pessoa física, na forma do art. 45 da IN RFB nº 2.180/24.

  • Atualização do Valor dos Ativos no Exterior em 31/12/2023

Por fim, o art. 48 da IN RFB nº 2.180/24 estabelece que a pessoa física residente no país poderá optar por atualizar o valor dos bens e direitos no exterior (aplicações financeiras, imóveis, veículos e participações em offshores) informados em sua DAA para o valor de mercado em 31/12/2023, hipótese em que deverá tributar a diferença entre o valor atualizado e o custo de aquisição pelo IRPF, à alíquota definitiva de 8%.

A estratégia pode ser atrativa para contribuintes que desejam liquidar ativos no exterior no futuro, uma vez que, ao atualizar o custo de aquisição para valor de mercado, a base de cálculo do ganho de capital é reduzida.

Além disso, o impacto da tributação pode ser minimizado ao permitir que a atualização seja realizada à alíquota de 8%, diferentemente da alíquota de 15% que passa a vigorar a partir de 01º/01/2024.

Para definição do critério de atualização dos bens e direitos no exterior a seu valor de mercado, é necessário avaliar a natureza do ativo em questão.

Nesse sentido, o art. 50 da IN RFB nº 2.180/24 dispõe, em seus incisos I a III, respectivamente, que: (i) para aplicações financeiras, o valor de mercado será determinado através de documento disponibilizado pela instituição financeira custodiante; (ii) para bens imóveis e móveis sujeitos a registro, o valor de mercado será apurado conforme avaliação feita por entidade especializada; e (iii) para participações em offshore, o valor de mercado será equivalente ao valor do patrimônio líquido proporcional à participação societária da pessoa física, conforme demonstrações financeiras preparadas com observância aos padrões contábeis da legislação brasileira.

A opção pela atualização dos bens e direitos no exterior a valor de mercado em 31/12/2023 se dará pela apresentação da Declaração de Opção pela Atualização de Bens e Direitos no Exterior – “Abex”, bem como o pagamento integral do IRPF à alíquota de 8% sobre a diferença entre o valor atualizado e o custo de aquisição, nos termos do art. 52 da IN RFB nº 2.180/24.

O prazo final para apresentação da Abex é em 31/05/2024, coincidindo com a data de entrega da DIRPF 2024/2023, e deverá conter a identificação do declarante, a identificação dos bens e direitos sujeitos à opção, o valor do bem ou direito constante da última DAA relativa ao ano de 2022, e o valor atualizado do bem ou direito em moeda nacional. Por todo o exposto até aqui, é possível atestar que existem diversos procedimentos que devem ser observados por pessoas físicas residentes no país que possuem investimentos no exterior, os quais deverão ser destacados e refletidos na DIRPF 2024/2023. Além disso, existem benefícios permitidos por esta legislação que podem vir a minimizar os futuros impactos decorrente da majoração da tributação sobre tais investimentos, os quais também deverão ser refletidos na declaração a ser entregue até 31/05/2024.

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