SOCIETÁRIO – DISSOLUÇÃO PARCIAL – APURAÇÃO DE HAVERES – MÉTODOS 

Impactos específicos do Recurso Especial nº 1.877.331-SP (STJ) à luz dos contratos sociais
por Marcelo Bervian publicado em 16/04/2024

A determinação dos valores devidos ao sócio que se retira, falece ou é excluído de uma sociedade limitada é um tema que causa controvérsia, principalmente se a regra não está clara no contrato social. 

Na falta de ajuste pelos sócios no contrato social, a jurisprudência utilizava, majoritariamente, o método do fluxo de caixa descontado para avaliação de haveres, suportada por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).  

No STF, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 89.464/SP (Segunda Turma, DJ 4/5/1979), restou fixado que a apuração dos haveres do sócio retirante, a fim de assegurar-lhe situação de igualdade em relação aos demais sócios, deveria ser realizada “com a maior amplitude possível, com a exata verificação, física e contábil, dos valores do ativo”. A seu turno, o STJ havia pacificado entendimento de que a apuração de haveres deveria ser feita de modo a incluir-se no cálculo o valor do fundo de comércio, a fim de preservar o montante devido ao sócio e evitar, por consequência, o locupletamento indevido da sociedade ou dos sócios remanescentes (Recurso Especial nº 1.335.619/SP, Terceira Turma, DJe 27/3/2015).  

As Cortes Superiores entendiam que a adoção do método de fluxo de caixa descontado era adequada para a avaliação do preço de saída do sócio retirante, falecido ou excluído, por exprimir melhor a situação econômica e a capacidade de geração de riqueza de uma empresa.  

No entanto, em 2021, o STJ proferiu decisão alterando o entendimento para a adoção do valor patrimonial aferido no âmbito do balanço de determinação.  

No julgamento do Recurso Especial nº 1.877.331/SP (DJe 14/05/2021), a Terceira Turma do STJ, através de voto do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, definiu que o critério legal (patrimonial) é o mais acertado e está mais afinado com o princípio da preservação da empresa, ao passo que o econômico (do qual deflui a metodologia do fluxo de caixa descontado), além de inadequado para o contexto da apuração de haveres, pode ensejar consequências perniciosas, tais como (i) desestímulo ao cumprimento dos deveres dos sócios minoritários; (ii) incentivo ao exercício do direito de retirada, em prejuízo da estabilidade das empresas, e (iii) enriquecimento indevido do sócio desligado em detrimento daqueles que permanecem na sociedade. 

De acordo com a nova orientação jurisprudencial, a metodologia do fluxo de caixa descontado foi considerada inadequada na avaliação dos bens intangíveis porque o Código de Processo Civil de 2015 estabelece o “balanço de determinação” como forma de levantamento do valor patrimonial da sociedade, excluindo a possibilidade de aplicação conjunta do fluxo de caixa descontado, quando omisso o contrato social a respeito.  

Além disso, pelo novo entendimento, a avaliação dos intangíveis deve se ater apenas àqueles necessários e suficientes para encontrar o valor patrimonial da sociedade, conforme indicado no artigo 606 do CPC. Nem todos os intangíveis devem integrar os cálculos para efeito de apuração de haveres do sócio retirante. 

Não obstante, poderão os sócios escolher livremente qual metodologia utilizar através de clareza no Contrato Social, estabelecendo como deverá ser feita a avaliação da quota para que se apurem os haveres do sócio, evitando assim discussões futuras e, agora, já sabendo como o Poder Judiciário se posiciona na hipótese de o contrato social não definir o sistema.  

Isso porque, como consignado pela Terceira Turma do STJ na decisão de 2021, A avaliação do valor da quota do sócio retirante pelo critério patrimonial mediante balanço de determinação correspondente ao critério legislativo (art. 606 do CPC/2015 c/c art. 1.031 do Código Civil) que deve ser aplicado “na omissão do contrato social”. 

Importante destacar que a metodologia do Fluxo de Caixa Descontado (FCD) e o balanço por determinação são duas abordagens distintas para avaliar o valor de uma empresa ou projeto.  

O FCD é usado para determinar o valor presente de uma empresa, ativo ou projeto com base no fluxo de caixa que pode gerar no futuro e, para tanto, considera tanto o presente quanto o futuro. Projetos futuros de fluxo de caixa são trazidos a valor presente, descontados por uma taxa de atratividade, que pode variar com base no retorno esperado pelo investidor. Ainda, o FCD leva em conta os riscos associados às estimativas futuras. 

Em contrapartida, o balanço por determinação visa determinar o valor contábil de uma empresa ou ativo e geralmente foca no presente, considerando os ativos e passivos existentes. Baseia-se nos valores registrados nos balanços patrimoniais, como ativos, passivos e patrimônio líquido. É, portanto, menos flexível, pois depende dos dados contábeis disponíveis e não leva em conta riscos futuros ou projeções. 

Em resumo, o FCD é mais abrangente e orientado para o futuro, enquanto o balanço por determinação é mais estático e focado no presente 

O ponto de atenção é esclarecer que o posicionamento do STJ no precedente de 2021 não impede os sócios de uma sociedade limitada de definirem no contrato social, livremente, qual o método que será utilizado quando da dissolução parcial ou total da sociedade ou da saída de algum dos sócios. A orientação jurisprudencial, aplicando o critério do “balanço de determinação”, vale para aqueles casos em que não está estabelecido no contrato social a metodologia a ser utilizada.  

Assim, nós do Charneski Advogados estamos à disposição de nossos clientes para esclarecer, analisar e apoiar na construção de regras que possam garantir aos sócios, em caso de saída, uma metodologia adequada a cada caso para apuração de seus haveres, independentemente de decisões judiciais acerca do tema, gerando mais segurança jurídica nos interesses societários.  

Autor: 

Marcelo Bervian (marcelo@charneski.com.br)  

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