IRPF E IRRF – FUNDOS FECHADOS – DOAÇÃO E SUCESSÃO CAUSA MORTIS 

RFB exige transferência a mercado em sucessão ou doação, no caso de cotas de fundos fechados
por Tiago Rios Coster publicado em 22/04/2024

Em 18/03/2024 a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Solução de Consulta COSIT nº 21, de 14/03/2024, dispondo sobre incidência do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), inclusive na forma de retenção na fonte (IRRF), a ser realizada pelo administrador, nas hipóteses de transferência de cotas de fundos fechados de investimento em renda fixa ou de fundos fechados de investimentos em ações a título de sucessão causa mortis ou doação em adiantamento de legítima. 

Vale relembrar que o chamado “fundo fechado de investimentos”, segundo a classificação dada pelo art. 5º, § 7º, da Resolução CVM nº 175/2022, é aquele que não permite o resgate da cota, havendo a sua liquidação ao término do prazo de duração, sendo, na prática, um instrumento utilizado para fins de organização patrimonial individual ou de um grupo específico de investidores, como indivíduos de uma mesma família. Contrapõe-se ao “fundo aberto”, que permite o resgate das cotas conforme estipulado no respectivo regulamento, e na prática corresponde àqueles fundos ofertados ao público em geral, na medida em que há maior liberdade de aplicação e resgate dos recursos.  

O pronunciamento da RFB originou-se de questionamento interno suscitado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), apontando divergência entre os entendimentos proferidos na Solução de Consulta COSIT 383/2014 e na Solução de Consulta COSIT nº 98/2021. Essas consultas trataram da incidência do IR nas transferências de quotas de fundos de investimento, inclusive ao efeito de determinar a aplicação do art. 23 da Lei nº 9.532/1997, que faculta ao contribuinte, na sucessão causa mortis ou na doação em adiantamento de legítima, transferir os bens a valor de custo ou a valor de mercado, o que impacta a incidência do IR sobre o ganho de capital apurado. 

Diante desse contexto, a Solução de Consulta COSIT nº 21/2024 foi editada para buscar uniformizar o tratamento da matéria, naquilo em que os pronunciamentos anteriores foram efetivamente divergentes, delimitando a seguinte matéria objeto de análise: “a incidência do IRRF (aqui abrangida a aplicabilidade do art. 23 da Lei nº 9.532, de 1997), para os casos de transferência de cotas de fundos fechados de investimento em renda fixa ou de cotas de fundos fechados de investimento em ações, quando decorrente tal transferência de sucessão por herança, legado ou de doação em adiantamento da legítima, ressaltando-se, por fim, com de cujus ou doador residente no país”

A COSIT inicia estabelecendo que a alienação compreende qualquer forma de transmissão da propriedade, segundo o art. 46, § 2º, da Instrução Normativa RFB nº 1.585/2015. Desse modo, conclui que a transferência de propriedade decorrente de sucessão por herança, legado ou de doação em adiantamento da legítima das cotas de fundos de investimento constitui-se em modalidade de alienação para fins de incidência do imposto sobre a renda. E, tratando-se, de operação de alienação, aplicam-se as regras gerais de tributação do IR sobre o ganho de capital, conforme dispõe o art. 16, inciso II, da Instrução Normativa RFB nº 1.585/2015

No entanto, por “aplicação da regra geral de tributação do IR ganho de capital”, a RFB manifestou entendimento de que isso se limitaria à apuração da base de cálculo e alíquotas, segundo dispõe o art. 21 da Lei nº 8.981/1995, ou seja, à incidência do IR às alíquotas progressivas de 15% a 22,5% sobre o ganho apurado (diferença entre o valor de custo e de transmissão). Afastou-se, contudo, no caso dos fundos, a aplicação da regra do art. 23 da Lei nº 9.532/1997, que faculta ao contribuinte, na sucessão causa mortis ou na doação em adiantamento de legítima, transferir os bens a valor de custo ou a valor de mercado. 

Isso porque, segundo a compreensão adotada, a regra do art. 23 da Lei nº 9.532/1997 teria como finalidade evitar que o contribuinte (herdeiros na sucessão causa mortis e doadores na doação) tivesse de liquidar outros bens para fazer frente ao imposto devido na transferência dos bens. Todavia, tal situação não ocorreria em relação aos fundos fechados de investimento em renda fixa ou em ações, uma vez que seriam detentores de instrumentos financeiros dotados de liquidez, os quais poderiam ser alienados para fazer frente ao IR devido sobre o ganho de capital. 

Finalmente, a Solução de Consulta COSIT nº 21/2024 reitera a responsabilidade do administrador do fundo de investimento relativamente ao recolhimento do IR na fonte (IRRF) nesses casos, conforme estabelecido pelo art. 17 da Instrução Normativa RFB nº 1.585/2015

A conclusão adotada pela RFB na Solução de Consulta COSIT nº 21/2024, quanto à impossibilidade de aplicação da regra do art. 23 da Lei nº 9.532/1997 para a transferência por doação ou sucessão de cotas de fundos fechados a valor de custo é questionável, uma vez que insere elemento interpretativo estranho à própria disposição legal. A faculdade de transferir bens, na doação ou sucessão causa mortis, a valor de custo ou de mercado independe do tipo de bem que está sendo transferido, de modo que a interpretação conferida extrapola os limites estabelecidos na legislação.  

Além disso, assume como verdadeira a presunção de que, por se tratar de fundo de investimento, seria detentor de ativos líquidos, o que não necessariamente corresponde à realidade. Há diversos instrumentos financeiros qualificados como “renda fixa” que não possuem liquidez, ou ao menos não a liquidez para que possam ser facilmente alienados para fazerem frente ao IR exigido. Do mesmo modo em relação a “ações”, havendo papéis que, ao contrário de blue chips e outras companhias, não encontram condições de negociação favoráveis, nem mesmo no mercado bursátil onde são negociados. Nesses casos, o administrador do fundo seria obrigado a liquidá-los, inclusive incorrendo em perdas, para cumprir a obrigação de pagar o IR, o que tampouco se ajusta à alegada finalidade da regra do art. 23 da Lei nº 9.532/1997, como defendido pela própria RFB. 

INFORMATIVO

Mundo Tributário e Societário

O informativo eletrônico Mundo Tributário e Societário é desenvolvido internamente pelos profissionais que integram a equipe Tributária e Societária de Charneski Advogados, com intuito de levar informação técnica de qualidade até você nas áreas do Direito Tributário e Societário.