LITÍGIO ZERO – MP 1.160/23 – MEDIDAS TRIBUTÁRIAS – VOTO DE QUALIDADE
Pacote de medidas tributárias visa reduzir o contencioso administrativo e renegociar dívidas
por Charneski Advogaados publicado em 28/01/2023Em 12/01/2023, restou anunciado pacote econômico de medidas tributárias do Governo Federal visando, dentre outras medidas, reduzir o estoque de processos no âmbito do CARF, bem como promover a renegociação de dívidas tributárias. A renegociação é denominada Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal – PRLF ou “Litígio Zero”, veiculada por meio da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1, de 12 de janeiro de 2023. Paralelamente, tramita em caráter conclusivo a proposta de regulamentação do processo administrativo tributário federal, por meio da Medida Provisória n° 1.160/23.
A seguir, comentamos os principais pontos do pacote:
- Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal – PRLF – renegociação de dívidas tributárias federais – prazo até 31/03/2023
Inicialmente, com relação ao escopo de renegociação de dívidas, há previsão que são passíveis de transação através do PRLF os créditos tributários em contencioso administrativo fiscal com recurso pendente de julgamento no âmbito de DRJ, CARF e de pequeno valor no contencioso administrativo ou inscrito em dívida ativa da União, observadas as condições e modalidades estabelecidas na Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1, de 12 de janeiro de 2023 (art. 3°).
Ainda, estão abrangidos no PRLF, o parcelamento de créditos tributários, a concessão de descontos dos créditos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação, a utilização de créditos de prejuízo fiscal de IRPJ e base negativa da CSLL, bem como a utilização de créditos líquidos e certos, devidos pela União, suas autarquias e fundações públicas, próprios do interessado ou por ele adquiridos de terceiros, decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado, nos termos da legislação de regência.
O programa ainda prevê uma série de modalidades de descontos dos juros e multas aplicáveis aos créditos tributários constituídos, conforme o grau de recuperabilidade, bem como os critérios para parcelamento, utilização de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e base negativa, apurados até 31 de dezembro de 2021.
Ressalta-se que o programa prevê a transação na hipótese de contencioso de pequeno valor, cujo limite prevê créditos com valor de até 60 (sessenta) salários mínimos que tenham como sujeito passivo pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte. A referida disposição prevê a quitação mediante pagamento de valor de entrada em 4% (quatro por cento) do valor dos créditos transacionados, pagos em até 4 (quatro) prestações mensais e sucessivos, sendo o restante pago em até 2 (dois) meses, contando com redução e 50% (cinquenta por cento), aplicável ao montante principal, bem como em até 4 (quatro) meses, com redução de 40% (quarenta por cento), também aplicável ao montante principal.
É recomendável a análise específica dos débitos, considerando a necessidade de enquadramento e avaliação da aplicabilidade das condições de fruição e em qual extensão.
O prazo de adesão ao programa é de 01°/02/2023 (8h), até às 19h de 31/03/2023, sendo o programa inaplicável aos créditos apurados na forma do Simples Nacional.
- Retorno do voto de qualidade em favor do Fisco – Medida Provisória nº 1.160/23
A Medida Provisória n° 1.160, editada em 12 de janeiro de 2023, objetiva, dentre outras deliberações, reestabelecer o denominado “voto de qualidade”, hipótese que em caso de empate em julgamento na esfera da Câmara Superior de Recursos Fiscais, terão o voto de qualidade (desempate), os conselheiros representantes da Fazenda Nacional.
O reestabelecimento do voto de qualidade no órgão administrativo traz à tona, novamente, o debate acerca da noção de composição paritária, a fim de manter o equilíbrio dos interesses envolvidos. A possibilidade de restar preestabelecido que em eventual empate na votação de determinada matéria submetida ao órgão, o voto de desempate será, irrestritamente, de responsabilidade de representante da Fazenda Nacionalmitiga, a nosso ver, o próprio conceito de composição paritária.
Cabe ressaltar que o voto de qualidade em favor do Fisco restou extinto com a publicação a Lei n° 13.988/20, em decorrência da Medida Provisória n° 899/19, sendo, posteriormente, declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal a extinção da modalidade através das ADI’s n° 6.399, 6.403 e 6.415 (ainda pendentes de finalização).
A tentativa de reestabelecimento do voto de qualidade em favor do Fisco é sobremaneira um atraso e um desvio de finalidade, uma vez que o contexto da proposta denota patente caráter arrecadatório, considerando a tendência história de desfecho favorável ao Fisco em temas de grande relevância e impacto econômico a partir da aplicação do voto de qualidade em seu favor.
Ainda, na hipótese de dúvida acerca da aplicação da legislação tributária no caso concreto, não devem ser criados sacrifícios ao patrimônio do contribuinte, em respeito ao in dubio pro contribuinte, implícito na Constituição Federal e expressamente quanto a sanções no art. 112, do Código Tributário Nacional (“A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto”).
Sob o ponto de vista jurídico, a Medida Provisória n° 1.160/23 não observa os requisitos para edição de Medida Provisória, quais sejam, o critério da relevância e urgência, conforme previsto no art. 62, da Constituição Federal.
Nesse sentido, muito além do cunho meramente fiscalista e arrecadatório, a medida devolve o contribuinte, sujeito da relação jurídico-tributária que goza de proteção constitucional (e não o inverso), para a posição de mera fonte de arrecadação. Ainda, o argumento de um favorecimento indevido aos contribuintes, quando da extinção do voto de qualidade, não se sustenta. Em estudo da ACONCARF – Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), verifica-se que menos de 2% dos casos com empate foram julgados a favor do contribuinte.
Logo, sob o ponto de vista jurídico e fático a intenção de reestabelecimento do voto de qualidade não se sustenta.
- Demais alterações no contencioso administrativo pela Medida Provisória nº 1.160/23
Por último, a Medida Provisória n° 1.160/2023 estabelece que para as causas cujo lançamento fiscal não supere 1.000 (mil) salários mínimos, o julgamento será realizado em última instância por órgão colegiado da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento.
A finalidade primária da medida é objetivar desonerar a esfera administrativa de casos de menor impacto financeiro para a Fazenda Nacional, prestigiando uma maior celeridade da tramitação de casos de maior lançamento fiscal. Contudo, o estabelecimento de instância única, novamente, redunda em favor tão somente os interesses fazendários, eis que julgados em instância com predominância técnica e de interesse fazendário.
Além disso, a medida, caso convertida em lei, promove um custo exacerbado ao contribuinte na hipótese de necessitar judicializar a discussão do crédito tributário. O custo exacerbado decorre da necessidade de ser efetuado o depósito integral do montante do tributário lançado (art. 151, inciso II, do CTN), para que seja promovida a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
Isto é, o contribuinte necessitará incorrer em custas judiciais, apresentar o depósito integral ou garantia (seguro-fiança, por exemplo), objetivando ter acesso ao que poderia ser discutido e eventualmente provido no âmbito do CARF.
Portanto, de certa forma, a medida governamental promove verdadeira segregação entre contribuintes, sendo os dotados de acesso ao CARF (crédito tributário maior) e de outro norte os contribuintes de menor porte, sem prejuízo de ser efetuada segregação de competências e tributos no auto de lançamento, evitando, assim, ser ultrapassado o limite imposto pela medida governamental.
Finalmente, o art. 3º da MP nº 1.160/23 estabelece que, até 30 de abril de 2023, na hipótese de o sujeito passivo confessar e, concomitantemente, efetuar o pagamento do valor integral dos tributos devidos, após o início do procedimento fiscal e antes da constituição do crédito tributário, fica afastada a incidência da multa de mora e da multa de ofício. A dispensa se aplica exclusivamente aos procedimentos fiscais iniciados até a entrada em vigor da MP (12 de janeiro de 2023).
Recomendamos o acompanhamento da tramitação e novidades das medidas tributárias acima elencadas, objetivando uma avaliação dos seus impactos no caso concreto.
Autor:
Lucas Célio Ruschel (lucas@charneski.com.br)