IRRF – PL 4.173/23 – FUNDOS DE INVESTIMENTO FECHADOS – TRIBUTAÇÃO DO ESTOQUE
Tributação do estoque de rendimentos em 31/12/2023 padece de vícios constitucionais
por Charneski Advogaados publicado em 11/12/2023Conforme noticiado anteriormente, em 29/11/2023 o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei nº 4.173, de 2023, tendo como uma das alterações principais a forma de tributação dos chamados fundos de investimento fechados ou, ainda, fundos exclusivos[1]. O projeto legislativo aguarda sanção presidencial para ser transformado efetivamente em lei, com efeitos a partir de 2024.
Com a modificação trazida pelo PL 4.173/2023, duas foram as mudanças mais relevantes em relação aos fundos fechados ou exclusivos.
A primeira modificação diz respeito à submissão dos rendimentos desses fundos à regra geral de tributação a partir de 2024. Ou seja, para os rendimentos produzidos a partir de 01º/01/2024, haverá a incidência do “come-cotas” às alíquotas de 15% ou 20% nos meses de maio e novembro de cada ano sobre os rendimentos atribuídos ao cotista, somada à alíquota complementar no momento do resgate ou amortização das cotas, como já ocorre em relação aos fundos abertos. A exceção fica por conta de fundos com regimes específicos, como FIDC, FIA, FIP, ETF entre outros, que permanecem fora do regime de “come-cotas”.
Quanto a essa disposição, não há ressalvas a serem feitas, uma vez que se trata de alteração com efeitos prospectivos, para o futuro. Introduziu-se uma nova regra de incidência do IR abarcando os rendimentos que serão auferidos pelo beneficiário em momento futuro e somente serão tributados nesse momento futuro.
A segunda modificação trata da tributação do “estoque” de rendimentos acumulados até 31/12/2023 e que não sofreram a incidência do IR por força do art. 9º, § 4º, e do art. 16 da Instrução Normativa RFB nº 1585/2015. Trata-se de rendimentos que não vêm sendo tributados no momento em que verificada a valorização da cota (no caso, periodicamente em maio e novembro), formando um “estoque” sobre o qual o “come-cotas” não incidiu anteriormente e que, pela regra atual, somente deveria sofrer a incidência do IR por ocasião do resgate da cota.
Especificamente no tocante à tributação do “estoque” de rendimentos de fundos fechados ou exclusivos, o PL 4.173/2023 trouxe as seguintes disposições:
- Regra geral, os rendimentos apurados até 31/12/2023 nas aplicações nos fundos de investimento que não estavam sujeitos até o ano de 2023 à tributação periódica nos meses de maio e novembro de cada ano e que estarão sujeitos à tributação periódica pelo “come-cotas” a partir do ano de 2024 serão apropriados pro rata tempore até 31/12/2023 e ficarão sujeitos à incidência do IR à alíquota de 15%. Esse imposto deve ser recolhido até 31/05/2024, se à vista, podendo ser parcelado em 24 prestações mensais e sucessivas, com acréscimo da Selic, a primeira com vencimento na mesma data. Essa parcela tributada em 31/12/2023 passará a compor o custo de aquisição da cota.
- Alternativamente ao regime de recolhimento do IR sobre o estoque de 15% até 31/05/2024 (à vista) ou a partir dessa data (parcelado), o PL 4.173/23 faculta à pessoa física residente no País a optar por pagar o imposto sobre os rendimentos acumulados à alíquota reduzida de 8%, em duas etapas: i) na primeira, pagamento do imposto sobre os rendimentos apurados até 30/11/2023, em 4 parcelas iguais, mensais e sucessivas, com vencimentos nos dias 29/12/2023, 31/01/2024, 29/02/2024 e 29/03/2024; e ii) na segunda, pagamento do imposto sobre os rendimentos apurados de 1º/12/2023 a 31/12/2023, à vista, no mesmo prazo de vencimento do IR devido na tributação periódica (“come-cotas”) relativa ao mês de maio de 2024.
Ocorre que essa previsão quanto à tributação do “estoque” de rendimentos existente em 31/12/202 revela-se problemática, especialmente porque esses rendimentos foram auferidos em momento no qual a legislação aplicável era outra, determinando a não incidência do IR até o momento do resgate das cotas.
Sujeitar essa valorização das quotas verificada até 31/12/2023 a uma espécie de “come-cotas” antecipada, conforme determinado pela legislação recém aprovada, acaba por violar a regra existente no momento em que esses rendimentos foram produzidos – e que, portanto, seria a regra aplicável à respectiva tributação.
Nesse ponto tem aplicação a regra de irretroatividade prevista no art. 150, inciso III, “a”, da Constituição Federal de 1988, que proíbe uma regra posterior (no caso, o PL 4.173/2023, a ser sancionado em lei) de modificar o tratamento de fatos geradores ocorridos anteriormente à sua vigência (no caso, a valorização das cotas em fundos fechados ou exclusivos até 31/12/2023). Para a valorização já ocorrida nesse lapso temporal, deve-se resguardar a aplicação da regra que previa a inexistência do come-cotas, somente se admitindo a tributação do respectivo rendimento no momento do resgate das cotas.
A discussão ainda comporta outra perspectiva, que é a da vedação à retrospectividade da legislação tributária. Caso se alegue que não há retroação das disposições do PL 4.173/2023, porquanto o fato gerador do IR não teria ocorrido (o estoque de rendimentos não teria sido tributado, sendo “mera antecipação”), ainda assim existe uma modificação da legislação sobre uma situação pretérita e que deu origem a fatos que serão tributados de uma forma diferente daquela originalmente prevista – o que se denomina de retrospectividade e que deve igualmente ser afastado, uma vez que gera uma quebra da confiança do contribuinte.
Essa perspectiva ganha ainda maior força quando se tem em conta que esse tipo de estrutura, sem o come-cotas, foi criada pelo próprio Governo Federal como um incentivo a que investidores aplicassem seu patrimônio nessas estruturas com viés de longo prazo, tendo como contrapartida o benefício do diferimento integral da tributação. Tem-se, portanto, uma troca entre Governo e contribuintes, não podendo as regras do jogo serem modificadas para os rendimentos (ou a valorização das cotas proporcionada por tais rendimentos) já produzidos nesse contexto.
Conclui-se que a modificação trazida pelo PL 4.173/2023 quanto à tributação antecipada do estoque de rendimentos em 31/12/2023 de fundos fechados ou exclusivos é passível de questionamento junto ao Poder Judiciário, havendo fundamentos para buscar a manutenção da regra atual quanto à valorização verificada até 31/12/2023, no sentido de que somente sejam tributados os respectivos rendimentos por ocasião do resgate das cotas.
Destaca-se, por fim, que o fato de o PL 4.173/2023 permitir ao contribuinte optar pela tributação antecipada do come-cota com alíquotas reduzidas (8% se fizer a opção antecipada, ao invés de 15% a incidir em 31/05/2024) não elimina a possibilidade de discussão judicial da questão. Não há na proposição legislativa a ser sancionada a necessidade de o contribuinte renunciar a qualquer discussão a respeito desse tema, o que abre espaço para o questionamento por meio de ação específica a ser manejada.
Autor:
Tiago Rios Coster (tiago@charneski.com.br)
[1] Para fins de contextualização, há dois tipos de fundos no que diz respeito à sua forma de constituição, nos termos do art. 4º da Instrução CVM nº 555/2014: o fundo aberto é aquele que permite o resgate das cotas conforme estipulado no respectivo regulamento, e na prática corresponde àqueles fundos ofertados ao público em geral, na medida em que há maior liberdade de aplicação e resgate dos recursos; ao passo que o fundo fechado é aquele que somente permite o resgate das cotas ao término do prazo de duração, sendo, na prática, um instrumento utilizado para fins de organização patrimonial individual ou de um grupo específico de investidores, como indivíduos de uma mesma família. Há ainda uma classificação adicional, que é o fundo chamado “exclusivo”, constituído para receber aplicações exclusivamente de um único cotista, conforme dispõe o art. 130 da Instrução CVM nº 555/2014.