IRRF – FUNDOS DE INVESTIMENTO – TRATADOS INTERNACIONAIS
RFB entende que resgate e amortização de cotas são tributáveis na fonte pelo Brasil
por Jorge Ricardo da Silva Júnior publicado em 24/09/2024Em 03/07/2024, foi publicada a Solução de Consulta COSIT nº 199, que tratou da qualificação dos rendimentos decorrentes de resgate e amortização de cotas de fundos de investimento no contexto do tratado para evitar a dupla tributação entre Brasil e Espanha (Decreto nº 76.975/76).
No caso, a consulta foi realizada por uma administradora de fundos de investimento multimercado (FIM´s), responsável pelo recolhimento do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF sobre os rendimentos decorrentes dos eventos de amortização e resgate de cotas dos fundos.
A dúvida da consulente dizia respeito à retenção de IRRF nos casos em que o cotista é uma instituição financeira residente e domiciliada na Espanha (Banco Espanhol), país com o qual o Brasil mantém o acordo para evitar a dupla tributação mencionado.
Nesse contexto, a consulente entendia que o Tratado celebrado entre Brasil e Espanha seria aplicado, e que os rendimentos de resgate e amortização de cotas deveriam ser qualificados no art. 7º do Tratado e serem tributados apenas na Espanha, com base no argumento de que a aplicação de recursos em fundos de investimento integra a atividade-fim do Banco Espanhol.
O art. 7º, deve-se relembrar, trata dos lucros das empresas e é um artigo residual, que se aplica somente quando os lucros não compreenderem elementos de rendimentos tratados já em outros artigos (ganho de capital, royalties, juros, dividendos etc). Trata-se de um artigo que permite apenas a tributação pelo pais de residência, de forma que, no caso, não permitiria a tributação pelo Brasil.
No entanto, a RFB não acolheu o entendimento do contribuinte pela aplicação do art. 7º.
A resposta da consulta partiu da correta diferenciação entre resgate e amortização de cotas. No resgate, o cotista tem uma diminuição do número de suas cotas, já que as cotas resgatadas são convertidas em dinheiro e pagas ao cotista. Já na amortização, não há diminuição do número de cotas, mas apenas uma redução do valor de cada cota. Partindo dessa distinção é que a RFB passou a analisar a qualificação desses rendimentos.
Em primeiro lugar, com relação ao resgate de cotas, entendeu a RFB que estes seriam qualificados no art. 13, que trata de ganhos de capital.
De acordo com a RFB, o resgate de cotas de fundos de investimento estaria abrangido pelo parágrafo 3 do art. 13, que estabelece que “Os ganhos provenientes da alienação de quaisquer bens ou direitos diferentes dos mencionados nos §§ 1º e 2º são tributáveis em ambos os Estados Contratantes”.
Para tanto, argumentou que o referido parágrafo seria uma “cláusula guarda-chuva” abrangendo todos os casos de alienação não cobertos pelos dois parágrafos anteriores. Conforme reconheceu a RFB, o dispositivo não apresentava uma definição de “alienação”, de tal sorte que para fundamentar sua posição, utilizou-se dos comentários da Convenção Modelo da OCDE – CM-OCDE. Os referidos comentários, ao tratarem do termo alienação, afirmam que a expressão é utilizada para se referir aos ganhos de capital provenientes, por exemplo, da venda ou troca de propriedade e aos ganhos decorrentes da alienação parcial, da expropriação, da transferência de um bem para uma companhia em troca de ações, da venda de um direito, de uma doação e até da transferência causa mortis.
Além disso, de acordo com a doutrina, o termo teria espectro amplo e requer ao menos que haja uma transação com um ativo no sentido de uma transferência irrestrita.
Para concluir seu posicionamento, a RFB também se valeu do art. 65, §2º da Lei nº 8.981/95, o qual dispõe que “para fins de incidência do Imposto de Renda na fonte, a alienação compreende qualquer forma de transmissão da propriedade, bem como a liquidação, resgate, cessão ou repactuação do título ou aplicação.” Assim, a própria legislação doméstica considera o resgate como uma forma de alienação para fins de imposto de renda, o que reforçou a linha de argumentação do Fisco.
Nesse sentido, concluiu a RFB que, tanto com base nos comentários da CM-OCDE como na legislação doméstica brasileira, poder-se-ia entender que o termo alienação compreende o resgate de cotas, de tal sorte que esses rendimentos seriam qualificados no art. 13, que permite a tributação na fonte pelo Brasil.
Quanto a essa qualificação, o posicionamento da RFB pode ser considerado correto, tendo em vista que a amplitude do termo “alienação” do art. 13 permite o enquadramento de rendimentos decorrentes de eventos semelhantes a realização de um ativo, como é caso do resgate de cotas de fundo, no qual há a conversão das cotas em dinheiro. Além disso, justamente pelo enquadramento mais específico no art. 13, não se poderia aplicar o art. 7º, mesmo que a atividade do Banco Espanhol envolva aplicações financeiras e investimento.
Em segundo lugar, quanto à amortização de cotas, a RFB entendeu que os rendimentos seriam enquadráveis no art. 22 do Tratado, que trata de “outros rendimentos”.
Como o art. 22 aplica-se apenas no caso de nenhum outro artigo ser aplicável, a fundamentação da RFB passou pela demonstração da impossibilidade de qualificação desses rendimentos em outros dispositivos.
Primeiramente, foi descartada a aplicação do art. 13 (ganho de capital), tendo em vista que na amortização não há conversão das cotas em dinheiro.
Com relação ao art. 10 (dividendos), a RFB referiu que o artigo exige que os dividendos sejam pagos por uma sociedade, termo que é definido pelo art. 3 (1) do Tratado como “qualquer pessoa jurídica ou qualquer entidade que, para fins tributários seja considerada como pessoa jurídica”.
Como na legislação doméstica brasileira os fundos não possuem personalidade jurídica e, em regra, não considerados como pessoa jurídica para fins da legislação do imposto sobre a renda, estes não poderiam ser considerados “sociedades”. Com isso, foi descartada a qualificação no art. 10.
Quanto ao art. 11 (juros), a RFB referiu que ainda que os investimentos do fundo sejam em títulos de renda fixa, não seria possível caracterizar os rendimentos como juros em razão da neutralidade parcial dos fundos (não são entidades transparentes), ou seja, para o cotista a natureza do rendimento não corresponde a mesma natureza do investimento do fundo. Além disso, destacou-se que os rendimentos de amortização de cotas não são considerados, pela legislação doméstica, como assemelhados aos rendimentos de importância emprestada.
Já em relação ao art. 7º (Lucros das empresas), a RFB despendeu esforço argumentativo maior para descaracterizar a aplicação do dispositivo.
Para tanto, valeu-se da definição do termo “empresa” posto no art. 3 (1) da CM-OCDE, que corresponde ao “desempenho de qualquer negócio”. Já no ordenamento brasileiro, o termo “empresa” corresponde a uma atividade por meio da qual os fatores de produção são organizados visando à obtenção de lucro.
Assim, a ideia de “lucros das empresas” definida no art. 7º pressupõe lucro decorrente de uma atividade desenvolvida pela empresa.
Nessa linha argumentativa, a RFB afirmou que a mera aquisição de um bem (que pode ser uma cota de investimento) não é suficiente para considerar que os rendimentos são provenientes do desenvolvimento de uma atividade empresarial. Ou seja, para aplicação do art. 7º seria necessária a produção de um bem ou exploração de um serviço por exemplo.
Diante disso, foi descartada a aplicação do art. 7º e conclui-se pela aplicação do art. 22, que, como já afirmado, se trata de norma residual aplicável nos casos de rendimentos não enquadráveis em outros artigos.
No entanto, a não aplicação do art. 7º à amortização de cotas é questionável, tendo em vista a grande abrangência do art. 7º e que, no caso analisado, o não residente que auferiu os rendimentos era um banco, que tinha em seu objeto social a realização de investimentos e aplicações financeiras.
Tomando por base a doutrina internacional, o termo “lucro das empresas” possui significado amplo, que inclui toda a renda gerada na condução de uma empresa, de tal sorte que o termo é considerando por alguns como tendo alcance universal. Nesse cenário, considerando que o detentor da renda era um Banco, que tem no âmbito de seu objeto social a realização de investimentos e aplicações financeiras, a aplicação do art. 7º seria a mais coerente.
Dessa forma, não obstante a qualificação do resgate de cotas no art. 13 do Tratado possa ser considerada correta, a qualificação da amortização de cotas no art. 22 é controversa, tendo em vista que, no caso analisado, os rendimentos poderiam ser considerados como decorrentes da atividade empresarial do Banco situado na Espanha e, portanto, aplicado o art. 7º, o que não autorizaria a tributação pelo Brasil.