IRPJ/CSLL – TRIBUTAÇÃO DO AVJ – MUDANÇA DE REGIME – CARF

CARF valida tributação do saldo de AVJ na mudança do lucro real para o lucro presumido
por Jorge Ricardo da Silva Júnior publicado em 28/08/2025

Neste artigo, será analisada a tributação do ganho decorrente de avaliação a valor justo quando da mudança de regime de tributação do lucro real para o lucro presumido, com base no acórdão nº 1301-007.744, publicado em 01/07/2025. 

Para tanto, trataremos, em primeiro lugar, dos fatos do caso e da legislação pertinente. Em segundo lugar, serão apresentados os votos proferidos no caso e apresentadas breves considerações sobre a discussão. 

O auto de infração 

Até o final do ano de 2017, o contribuinte era optante pela tributação do IRPJ/CSLL com base no lucro real e, para o ano seguinte, optou pela tributação com base no lucro presumido. No entanto, com a mudança de regime, o saldo de ajuste de avaliação patrimonial – ajuste de Avaliação a Valor Justo (AVJ), no valor de R$ 125.946.287,24, não foi oferecido à tributação, o que seria determinado pela legislação. 

Assim, foi lavrado auto de infração para cobrança do IRPJ e da CSLL devidos em razão da não inclusão, na base de cálculo do primeiro período de apuração sob o regime do lucro presumido, em 2018, do saldo de AVJ existente em 31/12/2017. 

A fiscalização fundamentou-se nos arts. 54 da Lei nº 9.430/1996, 520 do RIR/1999 e art. 219 da IN RFB nº 1.700/2017, que dispõem, respectivamente que: 

Lei nª 9.430/1996 Normas sobre o Lucro Presumido e Arbitrado 

Art. 54. A pessoa jurídica que, até o ano-calendário anterior, houver sido tributada com base no lucro real deverá adicionar à base de cálculo do imposto de renda, correspondente ao primeiro período de apuração no qual houver optado pela tributação com base no lucro presumido ou for tributada com base no lucro arbitrado, os saldos dos valores cuja tributação havia diferido, independentemente da necessidade de controle no livro de que trata o inciso I do caput do art. 8º do Decreto Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977. (Redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014) 

Decreto nº 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda vigente à época do fato gerador) Valores Diferidos no LALUR 

Art. 520. A pessoa jurídica que, até o ano-calendário anterior, houver sido tributada com base no lucro real, deverá adicionar à base de cálculo do imposto, correspondente ao primeiro período de apuração no qual houver optado pela tributação com base no lucro presumido, os saldos dos valores cuja tributação havia diferido, controlados na parte “B” do LALUR (Lei nº 9.430, de 1996, art. 54). 

Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017 Da Mudança De Lucro Real Para Lucro Presumido 

Art. 219. A pessoa jurídica que, até o ano-calendário anterior, houver sido tributada com base no lucro real deverá adicionar às bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, correspondentes ao 1º (primeiro) período de apuração no qual houver optado pela tributação com base no lucro presumido, os saldos dos valores cuja tributação havia diferido, independentemente da necessidade de controle na parte B do e-Lalur e do e-Lacs.  

Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se inclusive aos valores controlados por meio de subcontas referentes:  

I – às diferenças na adoção inicial dos arts. 1º, 2º e 4º a 71 da Lei nº 12.973, de 2014, de que tratam os arts. 294 a 296; e  

II – à avaliação de ativos ou passivos com base no valor justo de que tratam os arts. 97 a 101. (grifou-se) 

Com base em tais dispositivos, a RFB entendeu que a mudança do regime do lucro real para o presumido impõe a tributação dos valores cuja tributação havia sido diferida, inclusive AVJ controlado em subconta. 

O contribuinte, por sua vez, defendeu que o AVJ não constitui “valor cuja tributação foi diferida” na acepção do art. 54 da Lei nº 9.430/1996, mas mero ajuste contábil, tributável apenas quando realizado (alienação, depreciação, etc.), conforme art. 13 da Lei nº 12.973/2014 e art. 52 da Lei nº 9.430/1996. Nas palavras do contribuinte “não se pode confundir ou mesmo equiparar o saldo da conta de ajuste de avaliação patrimonial com o saldo de valores cuja tributação foi diferida”. 

Ainda, alegou que houve extrapolação do texto legal pela IN 1.700/2017, que não houve fato gerador pela ausência de realização e defendeu a impossibilidade de tributação sobre expectativa de renda.  

Apesar disso, a DRJ manteve integralmente a autuação ao entender aplicável a norma de tributação diferida ao caso. 

Dos votos proferidos no caso 

O voto do conselheiro Relator, José Eduardo Dornelas Souza, foi no sentido de cancelar a exigência fiscal, por entender que o AVJ, enquanto não realizado, não configura valor cuja tributação foi diferida nos moldes do art. 54, mas sim mera reavaliação contábil, de tal sorte que não se caracteriza como fato gerador do Imposto de Renda à luz do art. 43 do CTN. 

Defendeu que a mudança para o regime do lucro presumido, por si só, não gera acréscimo patrimonial disponível, de tal sorte que não se pode pretender uma tributação imediata. Eventual exigência só se justificaria com a efetiva realização do ativo (alienação, depreciação, amortização, etc.)  

Nessa linha, afirmou que exatamente por não ocorrer o fato gerador do imposto no AVJ, não há como ser aplicável a regra do art. 54 da Lei nº 9.430/1996, que havia servido de base para o lançamento. 

Por fim, o conselheiro ainda citou decisão da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), no acórdão nº 9101-002.553, no qual foi afastada a tributação do IRPJ sobre reservas de reavaliação não realizadas quando da migração do lucro real para o lucro presumido.  

Apesar dos fundamentos apresentados pelo Relator, prevaleceu, por maioria, o voto do Conselheiro Iágaro Jung Martins., que foi o Redator do acórdão. Em seu entendimento, o saldo em subconta de AVJ configura, inequivocamente, valor cuja tributação foi diferida, o que atrairia a aplicação do art. 54 da Lei nº 9.430/96. Tal raciocínio partiu do pressuposto de que a avaliação a valor justo representa um ganho (acréscimo patrimonial), o qual teria sido diferido em razão da autorização do art. 13 da Lei nº 12.973 (controle em subconta). 

Ainda, afirmou que a migração para o lucro presumido elimina a sistemática de realização controlada no lucro real, “de forma que o custo para fins de alienação dos bens que foram objeto de AVJ fica majorado, já que não há mais que se falar em depreciação, amortização ou exaustão, ou seja, não há mais aferição dos resultados com base na escrituração contábil”.  

Nesse sentido, concluiu que para evitar a majoração do custo dos bens avaliados a valor justo e a consequente redução do ganho de capital por ocasião da alienação desses bens no âmbito do lucro presumido, o legislador determina a tributação dos saldos dos valores cuja tributação havia sido diferida. 

Considerações sobre o caso 

A decisão do Acórdão nº 1301-007.744, ao determinar a tributação imediata do saldo de avaliação a valor justo (AVJ) em razão da mudança do Lucro Real para o Lucro Presumido, suscita questionamentos quanto à coerência com o sistema constitucional e legal do imposto sobre a renda. 

Em primeiro lugar, pois a interpretação vencedora equipara o saldo de AVJ – que é, por essência, uma reavaliação contábil não realizada – a “valores cuja tributação foi diferida” no sentido estrito do art. 54 da Lei nº 9.430/1996.  

Essa linha, como referido, parte do pressuposto de que o AVJ representa um acréscimo patrimonial, que tem a tributação diferida desde que evidenciado em subconta, nos termos do caput do artigo 13 da Lei nº 12.973/2014. No entanto, é possível fazer uma leitura a partir do §1º do art. 13, que condiciona a tributação do “ganho” de AVJ, evidenciado em subconta, a eventos concretos de realização (alienação, depreciação, amortização, exaustão ou baixa). Ou seja, o AVJ, por si só, não seria acréscimo patrimonial, mas uma renda potencial, que depende de realização. 

Ademais, a questão da possibilidade de tributação do AVJ em caso da ausência de subconta é polêmica, tendo em vista a controvérsia sobre a efetiva realização de renda, e tem sido objeto de entendimentos distintos no CARF, com decisões favoráveis e desfavoráveis aos contribuintes: 

Acórdão nº 1402-007.057(favorável), julgado em 13/08/2024  

Acórdão nº 1401-003.873(favorável), julgado em 11/11/2019  

Acórdão nº 1402-003.589(favorável), julgado em 21/11/2018  

Acórdão nº 1301-004.091(desfavorável), julgado em 17/09/2019  

Acórdão nº 1302-007.328(desfavorável), julgado em 29/01/2025 

Acórdão nº 1202-001.507(desfavorável), julgado em 11/12/2024  

Portanto, o pressuposto do voto vencedor de que o AVJ representa acréscimo patrimonial é questionável à luz da própria jurisprudência do CARF, que está dividida sobre o tema. 

Em segundo lugar, ao determinar a tributação na simples mudança de regime, o voto vencedor desloca o momento da incidência tributária para um evento que não representa a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica da renda, o que cria, na prática, um fato gerador ficto. Isso logicamente colide não somente com a matriz constitucional do IRPJ, mas também com o art. 43 do CTN, que trata do fato gerador do imposto.  

Dessa forma, a adoção de tal entendimento acaba ignorar a necessidade de efetiva aquisição de disponibilidade sobre a renda para incidência do imposto e legitimar a tributação sobre meras expectativas contábeis. Trata-se, portanto, de uma espécie de “antecipação” do fato gerador que acaba por se desvincular da capacidade contributiva e das balizas legais e constitucionais do imposto de renda. 

Em terceiro lugar, vale destacar que a base normativa utilizada pela autuação também é passível de crítica. Embora a IN RFB nº 1.700/2017, no art. 219, inclua expressamente o AVJ no conceito de valores diferidos, a Instrução Normativa não pode ampliar o alcance do art. 54 da Lei nº 9.430/1996, que, a nosso ver, se refere apenas a diferimentos tributários stricto sensu — como, por exemplo, depreciação acelerada ou incentivos fiscais controlados na parte B do LALUR.  

Portanto, há também um problema de extrapolação do poder regulamentar pela IN, que serviu de fundamento para a autuação da RFB. 

A argumentação do voto vencido, por sua vez, alinha-se melhor aos princípios constitucionais e à legislação do imposto sobre a renda, especialmente o art. 43 do CTN, ao defender a tributação somente no momento da efetiva realização da renda. Além disso, ao rechaçar a ideia de que a simples mudança de regime configura fato gerador, o entendimento evita distorções e insegurança jurídica na transição entre regimes tributários. 

Em síntese, consideramos que o raciocínio do voto vencedor foi equivocado, pois: (i) valida a tributação antes da ocorrência do fato gerador (ausência de realização e de acréscimo patrimonial disponível); (ii) amplia indevidamente o alcance da lei por meio de Instrução Normativa; (iii) contraria a função do art. 13 da Lei nº 12.973/2014, que é justamente neutralizar impactos contábeis do AVJ registrado em subconta até o momento de realização; (iv) aplica de forma literal e isolada o art. 54 da Lei nº 9.430/1996 e, consequentemente, desconsidera a materialidade do IRPJ e a estrutura do imposto e transforma a mudança de regime em evento artificialmente oneroso, sem respaldo suficiente na lei em sentido estrito. 

Autor: 

Jorge Ricardo da Silva Júnior (jorge@charneski.com.br) 

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