IRPJ/CSLL – SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO – IMUNIDADE ICMS
CARF rejeita procedimento contábil adotado pelo contribuinte para afastar IRPJ e CSLL
por Heron Charneski publicado em 29/09/2025No Acórdão 1401-007.536, julgado em sessão de 31/07/2025, a 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) rejeitou o tratamento contábil-tributário adotado pela contribuinte no sentido de considerar determinados benefícios fiscais estaduais como subvenção para investimento.
Segundo os autos, boa parte dos valores que a empresa qualificou como subvenão para investimento tinha origem em regimes de imunidade ou isenção de ICMS sobre exportação (ou seja, benefícios fiscais decorrentes de operações exportadoras). Ou seja: a empresa entendia que estava em efeito usufruindo de imunidade de ICMS nas exportações e tratava contabilmente esse benefício como subvenção.
O CARF entendeu, no acórdão, que os registros contábeis (débito da despesa de ICMS e crédito de subvenção no mesmo valor) não atendiam os requisitos contábeis e fiscais para que os valores pudessem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ/CSLL. Além disso, qualificou o procedimento como fraude contábil para fins de sustentação da exclusão tributária pretendida.
Em síntese: a contribuinte teve seu pedido de exclusão desses valores como subvenção negado, sendo a conduta considerada irregular e até dolosa pelo órgão administrativo.
O CPC 07 e o conceito contábil de subvenção
Para situar a análise, convém remeter ao que dispõe o Pronunciamento Técnico CPC 07 (Subvenção e Assistência Governamentais) no ordenamento contábil brasileiro.
O CPC 07 (versão aprovada em 5 de novembro de 2010) define que subvenção governamental é uma forma de assistência governamental concedida a uma entidade, normalmente em troca do cumprimento de certas condições relacionadas às suas atividades operacionais.
É importante notar que o CPC 07 expressamente afasta o tratamento de certas isenções ou reduções de tributos de imediato como subvenções. A norma afirma que não caracteriza subvenção governamental a previsão generalizada de alíquotas diferenciadas para determinados setores, ou incentivos fiscais que sejam concedidos de modo genérico, sem requisito de vinculação explícita ou condição específica.
Assim, nem toda forma de benefício tributário será contabilmente reconhecida como subvenção: apenas aquelas que se enquadrem nos requisitos de vinculação, condição explícita, beneficiário identificado e mensuração confiável.
Segundo o CPC 07:
- A subvenção só deve ser reconhecida quando for razoável que a entidade cumpra as condições vinculadas e que a subvenção será recebida.
- Até que se cumpram essas condições, a contrapartida da subvenção (ou parte dela) pode ser registrada em conta de passivo, aguardando o reconhecimento futuro.
- A receita de subvenção deve ser apropriada ao resultado de maneira sistemática, ao longo do período em que as despesas correspondentes forem incorridas (ou conforme as condições de vinculação).
- No caso de subvenções para investimento (isto é, vinculadas à aquisição ou construção de ativos), a receita pode inicialmente ser diferida e, depois de reconhecida, ser transferida para patrimônio líquido, geralmente por meio de uma reserva específica (reserva de incentivos fiscais).
- O CPC 07 também exige apresentações, divulgações e controles apropriados, visando transparência e rastreabilidade da subvenção.
Por essas razões, muitas decisões tributárias questionam a conversão automática de incentivos
fiscais em subvenções contábeis, especialmente quando não há norma estatal clara que vincule o benefício a um destinatário específico.
A imbricação entre imunidade de exportação e subvenção contábil
No acórdão em questão, como já mencionado, uma parcela relevante dos valores habilitados como subvenção derivava de benefícios fiscais de ICMS in natura (ou regimes de isenção/imunidade) aplicáveis às exportações.
Esse cenário impõe tensão conceitual, pois a imunidade de ICMS sobre exportação é uma prerrogativa constitucional ou legal (direito que decorre do ordenamento tributário) aplicável genericamente, destinando-se ao estímulo às exportações, e não um ato vinculado a critério individualizado de concessão de subvenção.
Para que um benefício tributário (como isenção ou imunidade) seja convertido em subvenção contábil, é necessário demonstrar que há norma legal que institua o benefício como subvenção (com critérios de beneficiários específicos, condições, rastreabilidade etc.).
A escrituração contábil que transfere “despesa de ICMS” para “subvenção” pressupõe que esse valor é um benefício que a entidade efetivamente recebeu e que está vinculado ao seu investimento ou atividade, não um simples direito genérico.
No acórdão, o CARF entendeu que a contribuição da imunidade de ICMS sobre exportações não poderia, por si só, justificar o reconhecimento da subvenção para investimento para fins de exclusão fiscal, por não observar os critérios do CPC 07 e a exigência legal para dedução/exclusão tributária.
Avaliação crítica da decisão
A decisão do CARF acerta ao exigir que o tratamento contábil seja disciplinado, que o benefício seja vinculado e rastreável, e que o contribuinte comprove que preencheu as condições da subvenção — requisitos alinhados ao CPC 07. Essa postura é coerente com a função da norma contábil de evitar manobras contábeis pouco transparentes ou abusos de conversão de incentivos em subvenções fictícias.
Além disso, ao exigir que o lançamento contábil reflita efetivamente um benefício que possa ser mensurado e apropriado ao resultado, o acórdão reforça a disciplina que a norma contábil impõe.
Contudo, a nosso ver, o ponto controverso da decisão está na atribuição de fraude contábil ao procedimento adotado pelo contribuinte. Essa qualificação traz consequências graves e exige prova de dolo ou má-fé, o que nem sempre é demonstrado em julgamentos administrativos.
Segundo consta da decisão, os lançamentos contábeis (débito de despesa de ICMS e crédito correspondente de subvenção) foram feitos com a finalidade de respaldar a tese já consolidada pelo STJ no Tema 1.082 — segundo a qual crédito presumido de ICMS não integraria o lucro tributável. Nesse sentido, não se trata de manobra oculta, mas de aplicação de entendimento jurídico reconhecido.
Além disso, para caracterizar fraude contábil, seria necessário demonstrar que o agente agiu dolosamente, com intenção de dissimular ou enganar a fiscalização. Se os lançamentos foram feitos com base em interpretação plausível da lei e jurisprudência, a imposição automática de fraude é excessiva.
Dada a complexidade e a controvérsia da matéria — entre incentivos de ICMS, imunidade de exportação e aplicação contábil de subvenções — impor a culpa contábil genérica pode gerar insegurança jurídica e penalizar contribuintes que adotam posições interpretativas.
Dessa forma, embora o acórdão represente uma interpretação conservadora e tecnicamente defensável do CPC 07, a imputação de fraude pode ser considerada um excesso retórico e acusatório, dado o caráter disputado da matéria.
Autor:
Heron Charneski (heron@charneski.com.br)