IRPJ/CSLL – DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS E DIVIDENDOS – VALOR JUSTO
Carf decide que a distribuição de lucros com base em AVJ não configura realização da renda
por Charneski Advogaados publicado em 19/05/2025No Acórdão nº 1401-007.393 publicado em 07/03/2025, a Primeira Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) decidiu que a distribuição de dividendos proveniente de ganho contábil de Avaliação a Valor Justo (AVJ) não dá causa à realização do ativo e, portanto, não constitui fato gerador do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ).
A seguir serão analisadas as posições defendidas e o voto vencedor. Após, serão feitos breves comentários sobre a decisão.
• Da autuação e da defesa do contribuinte
A autuação da Receita Federal do Brasil (RFB) teve como base a alegação de “omissão de receita não operacional” já que a empresa havia deixado de efetuar ajustes à base de cálculo do lucro presumido em decorrência de ganhos de AVJ.
No caso, o contribuinte procedeu à avaliação de um imóvel de sua propriedade, contabilizado como propriedade para investimento (PPI), tendo apurado um ganho decorrente de AVJ, o qual, posteriormente, foi utilizado para distribuição de lucros. Especificamente, o AVJ foi registrado a débito na conta de “Ajuste de Valor Justo” no ativo, e a crédito na conta de “resultado de AVJ”. Posteriormente, o valor foi transferido da conta de “resultado de AVJ” para a conta de “Resultado de 2013” e, na mesma data, foi transferido para a Reserva de Lucros. Posteriormente, os lucros foram distribuídos.
De acordo com a RFB, essa distribuição de lucros significaria a realização da parcela correspondente ao AVJ do imóvel.
Como se sabe, o art. 13 da Lei nº 12.973/2014 estabelece a não tributação (neutralidade) do ganho decorrente de AVJ, desde que esse seja evidenciado em subconta vinculada ao ativo. A tributação do AVJ evidenciado em subconta só ocorrerá quando da realização ou alienação do ativo a que corresponde.
Não obstante isso, a RFB sustentou que “deslocou-se o fato gerador, no caso em tela, do momento da realização do AVJ para o momento da distribuição de lucros”. A conclusão da RFB foi no sentido de que, enquanto o contribuinte mantiver destacadas no Ativo e no Patrimônio Líquido, a tributação seria diferida. No entanto, tendo o contribuinte distribuído lucros de sua reserva, não mais existiria contrapartida credora que ampare o AVJ constante do ativo, o que representaria fato gerador do imposto de renda.
Assim, no entender da RFB, além do controle em subconta no ativo, seria necessário que o contribuinte também controlasse o AVJ no patrimônio, condição que não consta em lei.
O contribuinte, por sua vez, sustentou que, na contabilidade, há “realização” de um ativo quando há um crédito no valor do ativo, em contrapartida ao resultado, no todo (ex: alienação ou baixa) ou em parte (ex: amortização, depreciação ou exaustão).
Nesse contexto, uma vez registrada, a AVJ deixa de guardar qualquer relação com eventual lucro que tenha sido formado por ganho que ela gerou.
Ou seja, é equivocado afirmar que a distribuição de lucros é causa de realização do ativo, já que o espírito do dispositivo que diferiu a tributação do ganho de AVJ atrela tal ganho ao ativo que lhe deu causa.
Ainda, conforme bem ressaltou o contribuinte, não há qualquer dispositivo legal que estabeleça a obrigação do contribuinte de controlar em subconta do patrimônio líquido a parcela do AVJ registrado em resultado.
• Voto vencedor
Em seu voto, a Relatora destacou a neutralidade do AVJ estabelecida pelo art. 13 da Lei nº 12.973/2014 e ressaltou que, no caso, o contribuinte efetuou o registro em subconta. Assim, foram preenchidos os requisitos para que o AVJ não fosse tributado até a realização do ativo.
Nessa linha, referiu que embora as informações contábeis sejam relevantes, estas têm cunho societário e não tributário, uma vez que o ganho registrado por AVJ nada mais representa que um ganho em potencial, mera expectativa, que pode ou não se tornar realidade econômica.
Vale relembrar que, justamente por tratar-se mera expectativa, muitos contribuintes têm contestado a tributação do AVJ quando não há controle por outros meios que não subconta, tendo em vista que não há configuração do fato gerador do imposto de renda (acréscimo patrimonial).
Nesse contexto, destacando o propósito das demonstrações financeiras de fornecer informações relevantes da realidade de mercado, a Relatora afirmou que o acréscimo patrimonial decorrente do AVJ, então registrado em subconta vinculada ao ativo gerador do potencial ganho, só pode apresentar efeitos tributária quando da ocorrência de alguma realização, total ou parcial, que atinja o valor patrimonial do ativo.
No caso analisado, o ativo que gerou o AVJ não sofreu qualquer tipo de alteração, de forma que permaneceram intactos os valores contábeis do ativo e da subconta vinculada.
Dessa forma, concluiu a relatora que a distribuição de lucros com base em AVJ não implica realização do ativo, o que, por consequência, impede a tributação dos valores relativos ao AVJ.
• Conclusões sobre a decisão
Em primeiro lugar, deve-se destacar que esta foi a primeira oportunidade em que o CARF analisou esta questão. Embora existam julgados tratando sobre a “realização” no caso de AVJ não registrado em subconta, a questão da distribuição de lucros com base em AVJ como “fato gerador” do Imposto de Renda ainda não havia sido enfrentada pelo CARF.
A decisão da Primeira Seção foi correta ao acolher a defesa do contribuinte, pois está claro que a realização do AVJ está vinculada à realização do ativo que lhe deu origem, e não ao tratamento dos lucros que foram gerados com esse registro. Este é o requisito estabelecido pelo já citado §1º do art. 13 da Lei nº 12.973/2014, ao referir que “O ganho evidenciado por meio da subconta de que trata o caput será computado na determinação do lucro real à medida que o ativo for realizado…”
Ou seja, tanto a tributação quanto a realização do ativo não pode estar vinculada à distribuição do lucro gerado com o registro do AVJ, mas sim a eventual alienação, baixa, depreciação, amortização ou exaustão do ativo que lhe deu causa, o que não ocorreu no caso concreto. Embora inovador, não procede o argumento da RFB de que houve deslocamento do fato gerador do momento da realização do ativo para o momento da distribuição de lucros.
Ademais, a criação de subconta no patrimônio líquido para controle do resultado de AVJ sustentada pela RFB como condição para não tributação nem sequer poderia ser levantada, pois não há qualquer fundamento legal para tanto.
Por fim, ainda que se pudesse argumentar que o contribuinte possui disponibilidade econômica, prevista no art. 43 do Código Tributário Nacional, a tributação do AVJ pela distribuição dos dividendos não teria amparo legal e acabaria por violar o art. 13 da Lei nº 12.973/2014.
Dessa forma, é possível afirmar que a questão foi muito bem analisada pelo CARF, que afastou o engenhoso argumento da RFB para tentar tributar o ganho de AVJ independentemente da realização do ativo que lhe deu origem.
Autor:
Jorge Ricardo da Silva Júnior (jorge@charneski.com.br)