IRPF – INVESTIMENTOS FINANCEIROS E TRUSTS NO EXTERIOR

MP nº 1.171/23 altera a tributação de investimentos no exterior de pessoas residentes no Brasil
por Charneski Advogaados publicado em 29/05/2023

Em 30 de abril de 2023, foi publicada a Medida Provisória nº 1.171/23, que, além de alterar a tabela progressiva do Imposto de Renda de Pessoa Física -IRPF, trouxe relevantes alterações na tributação da renda auferida por pessoas físicas residentes no Brasil em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior, bem como em relação à atualização do valor de bens e direitos no exterior.

Em síntese, conforme o art. 2º da MP, a partir de 01º/01/2024, a pessoa física residente no Brasil deverá computar os rendimentos oriundos de capital investido no exterior, assim como aqueles oriundos de bens e direitos objeto de trust, de forma separada dos demais rendimentos e ganhos de capital em sua Declaração de Ajuste Anual -DDA.

De acordo com o § 1º do art. 2º, esses rendimentos estarão sujeitos à incidência do IRPF na Declaração, de acordo com as seguintes alíquotas progressivas: 0% sobre a parcela anual dos rendimentos que não ultrapassar R$ 6.000,00; 15% sobre a parcela anual dos rendimentos que exceder a R$ 6.000,00 e não ultrapassar R$ 50.000,00; e 22,5% sobre a parcela anual dos rendimentos que ultrapassar R$ 50.000,00. Embora essa alíquota máxima de 22,5% já seja aplicada para aplicações financeiras no Brasil, a diferença é que sua aplicação sobre rendimentos no exterior se dará sobre o nível anual de rendimentos (R$ 50.000,00), enquanto que para rendimentos dentro do Brasil a alíquota de 22,5% é utilizada apenas para aplicações de curto prazo (até 180 dias).

A seguir estão elencadas as principais alterações realizadas da MP em relação às (i) aplicações financeiras no exterior; (ii) entidades controladas no exterior; (iii) trusts no exterior; e (iv) atualização do valor de bens e direitos no exterior.

  • Aplicações Financeiras no exterior (art. 3º)

Os rendimentos decorrentes de aplicações financeiras serão submetidos à incidência do IRPF, com aplicação das alíquotas progressivas mencionadas (0% a 22,5%), no período de apuração em que efetivamente percebidos pela pessoa física, no resgate, amortização, na alienação, no vencimento ou na liquidação das aplicações financeiras. Prevalece aqui, no caso de investimentos diretos em aplicações financeiras no exterior, o regime de caixa para tributação de pessoas físicas.

O art. 3º da MP considera como aplicações financeiras, de forma exemplificativa os depósitos bancários, certificados de depósitos, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão, títulos de renda fixa e de renda variável, derivativos e participações societárias, com exceção daquelas tratadas como entidades controladas no exterior, e também traz uma lista exemplificativa dos rendimentos sujeitos a essa regra

As cotas de fundos de investimento e participações societárias somente serão tratadas como aplicações financeiras caso não sejam enquadradas com entidades controladas no exterior (item ii).

Por fim, o artigo traz relevante alteração, ao prever a tributação da variação cambial verificada no ganho de capital em alienação de bens, direitos ou aplicações financeiras realizadas com rendimentos auferidos originariamente em moeda estrangeira, com a revogação do art. 24, §5º, da MP nº 2.158-35/01.

  • Entidades controladas no exterior (arts. 4º a 6º)

Em relação às entidades controladas por pessoas física residentes no Brasil, personificadas ou não, bem como fundos de investimento e fundações, a MP, em seu art. 4º, estabelece que os lucros apurados a partir de  01º/01/2024 serão tributados em 31 de dezembro de cada ano, conforme as alíquotas progressivas estabelecidas pela MP (0% a 22,5%). Ou seja, ainda que não distribuídos os lucros, a pessoa física deverá submetê-los à tributação.

Segundo as regras atuais, uma vez criada a estrutura no exterior, esta entidade passa a auferir rendimentos no exterior, que somente seriam tributáveis no Brasil no momento da efetiva transferência de recursos pela entidade para o sócio pessoa física residente no Brasil, o que poderia demorar anos ou sequer ocorrer em vida dessa pessoa. Atualmente, os lucros de entidades controladas no exterior só são tributados no Brasil quando distribuídos os dividendos (regime de caixa), neste caso mediante o carnê-leão e alíquotas de até 27,5% segundo a tabela progressiva, ou quando retornados os recursos ao Brasil por redução de capital ou extinção da empresa estrangeira.

Segundo a Exposição de Motivos da MP, “esse diferimento da tributação das offshores cria uma vantagem financeira relevante para o investimento sob essa estrutura, em comparação com investimentos financeiros feitos diretamente pela pessoa física, que são tributados pelo regime de caixa, violando a isonomia tributária”, além de contrariar “as melhores práticas internacionalmente aceitas”.

Assim, para endereçar os problemas de subtributação dos lucros das sociedades controladas no exterior (offshores) em razão do amplo diferimento pelo regime de caixa, a MP nº 1.171/2023 introduz regras de tributação periódica dos lucros de sociedade e demais entidades no exterior, controladas por pessoas físicas residentes no Brasil, assim como já existem regras de tributação em bases universais – TBU, na Lei nº 12.973/2013, para o caso de investimentos feitos por pessoas jurídicas brasileiras em controladas no exterior.


A tal efeito, a MP define como controladas as sociedades e demais entidades em que a pessoa física residente no Brasil detenha o controle, direto ou indireto, de forma isolada ou em conjunto com outras partes (como familiares próximos), de direitos que lhe garantam a preponderância nas deliberações sociais ou o poder de eleger e destituir administradores; ou de 50% do capital social, ou equivalente na percepção dos lucros (§ 1º do art. 4º).

Conforme o§ 4º do art. 4º, sujeitam-se a esse regime tributário de entidades controladas no exterior apenas as controladas que estejam localizadas em paraísos fiscais (países com tributação favorecida ou em que sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado), a chamada “abordagem jurisdicional”, ou que apurem renda ativa própria inferior a 80% da renda total, a chamada “abordagem da renda ativa”). Conforme o § 5º do art. 4º da MP, considera-se como “renda ativa própria” aquela obtida diretamente pela pessoa jurídica por meio da exploração de sua atividade econômica, excluídas “rendas passivas” como as decorrentes de royalties, juros, dividendos, aplicações financeiras e outras.

Preservando a segurança jurídica quanto à tributação do “estoque” de lucros no exterior por meio de entidades controladas, apurados pela pessoa física até 31/12/2023, a MP nº 1.171/2023 prevê que estes ficarão submetidos à tributação somente quando da sua efetiva disponibilização para a pessoa física residente no Brasil (art. 5º, I).

Ainda, a MP prevê que a pessoa física poderá efetuar as seguintes deduções do lucro apurado pela entidade controlada no exterior, buscando evitar a dupla tributação de lucros: (i) prejuízos apurados pela própria entidade controlada, referentes a períodos posteriores à data de produção de efeitos da Medida Provisória; (ii) parcela correspondente aos lucros e dividendos de suas investidas que sejam pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil;  e (iii) imposto sobre a renda pago no exterior pela controlada e suas investidas (§§ 7º a 9º do art. 4º).

Por fim, quanto a este regime, a MP estabelece que a variação cambial do principal aplicado nas controladas no exterior comporá o ganho de capital percebido pela pessoa física no momento da alienação, da baixa ou da liquidação do investimento, inclusive por meio de devolução de capital (art. 6º).

Em uma avaliação inicial, e lembrando que a MP pode sofrer alterações ou mesmo não ser convertida em lei, apesar de as regras da Medida preverem a extinção do diferimento do IR no caso de investimentos no exterior por meio de controladas, ainda permanecem diversas vantagens no uso dessas estruturas, as quais devem ser avaliadas caso a caso.

Tais vantagens, quando comparadas à realização de investimentos no exterior diretamente pela pessoa física, sem a utilização de estrutura societária no exterior, incluem: do ponto de vista tributário, a possibilidade de compensação de prejuízos entre ativos e do imposto pago no exterior, se for o caso (estratégias não disponíveis para a pessoa física); a simplificação das obrigações fiscais acessórias; e a eliminação de impostos sobre herança, no caso de investimentos detidos diretamente pela pessoa física em títulos emitidos nos Estados Unidos; e, do ponto de vista sucessório e patrimonial, a MP nada altera quanto aos benefícios de separação do patrimônio pessoal e de combinação com estratégias de planejamento sucessório no exterior, como trusts, testamentos e figuras afins.

  • Trusts no exterior (arts. 7º a 9º)

No que diz respeito aos trusts, a MP buscou regulamentar o momento em que ocorre a transferência dos bens e direitos objeto do trust para fins de incidência do IRPF, e com isso trazendo maior segurança jurídica ao tratamento tributário desse instituto.

Conforme conceitos trazidos pela própria MP no art. 9º, o trust é uma figura contratual regida por lei estrangeira, pelo qual um instituidor (settlor), por meio de uma escritura, destina bens e direitos de sua titularidade para formar o trust, podendo indicar beneficiários (beneficiary) para receber do administrador os bens e direitos objeto do trust, acrescidos dos seus frutos, de acordo com as regras estabelecidas na escritura do trust e na carta de desejos.

Nesse sentido, o art. 7º estabelece que os bens e direitos objeto de trust no exterior serão considerados como permanecendo sob titularidade do instituidor após a instituição do trust (inciso I)e passam à titularidade do beneficiário no momento da distribuição do trust para o beneficiário ou do falecimento do instituidor, o que ocorrer primeiro (inciso II). Trata-se de uma espécie de “transparência fiscal”, pela qual o trust é desconsiderado como entidade autônoma para fins da legislação tributária, que somente “enxerga” o instituidor e os beneficiários por detrás do patrimônio administrado pelo trust.

A MP estabelece que os rendimentos e ganhos de capital relativos aos bens e direitos objeto de trust auferidos a partir de 01º/01/2024 serão considerados auferidos pelo titular de tais bens e direito na respectiva data, conforme os incisos I e II mencionados, de forma que deverão ser submetidos ao IRPF segundo as regras aplicáveis ao titular, que pode ser o instituidor do trust ou o beneficiário.

No caso de o trust deter entidade controlada no exterior, esta será considerada como detida pelo próprio titular dos bens e direitos objeto do trust e, portanto, aplicam-se as regras específicas apresentadas no item de entidades controladas no exterior, mesmo na presença de um trust.

Ademais, a MP dispõe que a distribuição pelo trust ao beneficiário, a partir de 01º/01/2024, possui natureza jurídica de transmissão a título gratuito pelo instituidor ao benefíciário, consistindo em doação, se ocorrida enquanto o instituidor estiver vivo, ou transmissão causa mortis, se decorrer do falecimento deste.

Importante ressaltar que a MP dispõe que, a partir de 01º/01/2024, os bens e direitos objeto do trust, independentemente da data de sua aquisição, devem ser declarados pelo titular na sua Declaração Anual, pelo custo de aquisição. Dessa forma, o titular deverá informar a relação de bens e direitos, mas não o “trust” em si.

Vale destacar que a MP não traz uma distinção entre trusts revogáveis e irrevogáveis, sendo suas previsões aplicáveis a ambas as formas de instituição da figura.

  • Atualização do valor de bens e direitos no exterior (arts. 10 e 11)

A MP, em seu art. 10, estabelece que a pessoa física residente no País poderá optar por atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados na sua DAA para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2022 e tributar a diferença positiva em relação ao custo de aquisição, à alíquota definitiva de 10%. Esta opção poderá ser exercida em conjunto ou de forma separada para cada bem ou direito no exterior e o IRPF deverá ser pago até 30/11/2023.

Por fim, no que diz respeito às entidades controladas no exterior, enquadradas ou não no regime de tributação automática, a pessoa física que tiver optado pela atualização até 31/12/2022, poderá optar, separadamente, por atualizar o valor de mercado para o período de 01º/01/2023 a 31/12/2023, com o pagamento de IRPF com a alíquota definitiva de 10%.

Segundo a Exposição de Motivos, essas opções legais buscam “incentivar o contribuinte a tributar estes valores, os quais, caso contrário, somente seriam gravados quando fossem disponibilizados para o sócio pessoa física

Como visto, a MP realizou importantes alterações na tributação dos investimentos no exterior realizados por pessoas físicas residentes no Brasil, o que traz à tona discussões como, por exemplo, a possibilidade de tributação automática de lucros não distribuídos aos investidores. Contudo, deve-se observar que a MP ainda pende de apreciação pelo Congresso Nacional. Existem inclusive diversas emendas que pretendem alterar as alíquotas. Momento de acompanhar!

Autores:
Heron Charneski (heron@charneski.com.br) e Jorge Ricardo da Silva Júnior (jorge@charneski.com.br)

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