IRPF  – ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA – TEMA N° 1391/STF

STF analisará a incidência do IRPF em doações feitas em adiantamento de legítima
por João Vitor Janson publicado em 21/07/2025

O Tema nº 1391 do Supremo Tribunal Federal (STF), vinculado ao Recurso Extraordinário (RE) 1.522.312/SC, aborda uma questão de grande relevância no âmbito do direito tributário e do planejamento sucessório: a constitucionalidade da incidência do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) sobre o ganho de capital em doações realizadas como adiantamento de legítima.  

O presente tema teve sua repercussão geral reconhecida pelo Plenário do STF, em abril de 2025, e busca resolver a discussão sobre se a diferença entre o valor de mercado de um bem doado e seu custo de aquisição original, configuraria fato gerador do IRPF. 

A decisão, com efeito vinculante, impactará diretamente a forma como famílias brasileiras estruturam a transferência de patrimônio, além de esclarecer limites constitucionais à tributação. A controvérsia envolve a interpretação de dispositivos constitucionais, como os arts. 145, §1º, e 153, III, da Constituição Federal de 1988, e do art. 43, II do Código Tributário Nacional (CTN), que define o fato gerador do IRPF como o acréscimo patrimonial. 

No direito civil brasileiro, o adiantamento de legítima é regulado pelos arts. 544 e seguintes do Código Civil. Trata-se de uma doação feita por um ascendente a seus descendentes, ou por um cônjuge a outro, com a finalidade de antecipar parte da herança que caberá ao donatário por ocasião do falecimento do doador. Essa transferência é considerada na partilha dos bens, garantindo a igualdade entre os herdeiros necessários, conforme disposto no artigo 2.007 do Código Civil.  

A prática do adiantamento é comum em planejamentos sucessórios, pois permite organizar a transmissão de patrimônio ainda em vida, reduzindo conflitos futuros. Por exemplo, um pai que doa um imóvel a um filho durante sua vida está realizando um adiantamento de legítima. Esse imóvel será contabilizado no inventário, com seu valor deduzido da cota hereditária do beneficiário, assegurando que os demais herdeiros não sejam prejudicados. 

Do Conflito entre Fisco e Contribuintes 

A questão central do Tema nº 1391/STF é se a transferência de um bem como adiantamento de legítima, avaliado a valor de mercado, gera um ganho de capital tributável pelo IRPF. O ganho de capital é a diferença positiva entre o valor de mercado do bem no momento da doação e seu custo de aquisição original, registrado na Declaração de Imposto de Renda do doador. 

A Receita Federal defende a tributação com base em dispositivos infraconstitucionais, como o art. 3º, § 3º, da Lei 7.713/88, e o art. 23, §§ 1º e 2º, inciso II, da Lei 9.532/97. Esses dispositivos estabelecem que, na doação de bens a valor de mercado, a diferença entre esse valor e o custo de aquisição configura ganho de capital, sujeito ao IRPF. A interpretação da Receita é que a doação, ao ser contabilizada pelo valor de mercado, representa uma forma de realização do ganho, mesmo sem contrapartida financeira. 

Os contribuintes, por outro lado, argumentam que a doação não gera acréscimo patrimonial para o doador, uma vez que ele se desfaz do bem sem receber qualquer pagamento. Assim, não haveria fato gerador do IRPF, conforme definido pelo artigo 43 do CTN. Além disso, a doação já é tributada pelo Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência estadual, o que poderia configurar bitributação caso o IRPF também fosse exigido.  

A possibilidade de bitributação é um ponto central da controvérsia. O ITCMD, regulado pelos estados, incide sobre a transmissão não onerosa de bens, como doações e heranças. A cobrança adicional de IRPF sobre o mesmo ato jurídico poderia violar o princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 145, §1º, da Constituição, que determina que os impostos devem ser proporcionais à capacidade econômica do contribuinte. 

Os Fundamentos Constitucionais da Questão 

A análise do Tema nº 1391/STF envolve a interpretação de dispositivos constitucionais e do CTN, que estabelecem os limites da tributação no Brasil. O artigo 153, inciso III, da Constituição atribui à União a competência para instituir impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza. Contudo, a definição de “renda” é crucial para determinar a legitimidade da cobrança. O STF tem jurisprudência consolidada no sentido de que renda, para fins de IRPF, corresponde ao acréscimo patrimonial, ou seja, um incremento efetivo no patrimônio do contribuinte. 

O artigo 43 do CTN define o fato gerador do IRPF como a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza. No caso de uma doação, o doador não adquire disponibilidade econômica, pois está transferindo um bem sem contrapartida. Pelo contrário, seu patrimônio é reduzido, o que contraria a lógica de tributação do IRPF. 

O artigo 145, §1º, estabelece que os impostos devem ser graduados segundo a capacidade contributiva. Como a doação implica uma diminuição patrimonial para o doador, a cobrança de IRPF seria desproporcional e equivocada à luz desse princípio constitucional. Além disso, a incidência concomitante do ITCMD reforça o argumento de que a tributação adicional pelo IRPF seria indevida. 

Precedente Relevante do STF 

Embora o Tema nº 1391/STF ainda aguarde decisão final, um precedente altamente relevante é o Recurso Extraordinário 1.439.539/RS, julgado pela Primeira Turma do STF em outubro de 2024. Nesse caso, relatado pelo ministro Flávio Dino, o Tribunal decidiu, por unanimidade, que não há incidência de IRPF sobre doações em adiantamento de legítima, por ausência de acréscimo patrimonial para o doador. O relator destacou que a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que o fato gerador do IRPF exige um incremento patrimonial efetivo, o que não ocorre na doação, já que o doador reduz seu patrimônio. 

O julgamento também considerou o risco de bitributação, uma vez que o ITCMD já incide sobre a transmissão não onerosa. O ministro Flávio Dino destacou que “as regras constitucionais visam impedir que um mesmo fato gerador seja tributado mais de uma vez”. O ministro Luiz Fux acompanhou o relator, reforçando que a incidência concomitante de tributos seria indevida. Esse precedente sugere que o STF, no Tema nº 1391, provavelmente adotará a mesma interpretação e rejeitará a cobrança de IRPF sobre o ganho de capital na doação. 

Comparando o RE 1.439.539/RS com o Tema nº 1391/STF, ambos tratam da incidência de IRPF sobre doações em adiantamento de legítima, mas o Tema 1391 foca especificamente no ganho de capital. O RE 1.439.539/RS foi decidido em outubro de 2024 pelo ministro Flávio Dino, enquanto o Tema nº 1391/STF, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, teve sua repercussão geral reconhecida em abril de 2025. O impacto do RE 1.439.539/RS serve como precedente para casos semelhantes, enquanto o Tema nº 1391/STF estabelecerá uma tese vinculante para todo o Judiciário. Todos os processos sobre o tema foram suspensos até a decisão final do STF. 

Impactos da Decisão 

A decisão do STF no Tema nº 1391 terá impactos significativos no planejamento sucessório e tributário. Caso o Tribunal confirme a não incidência de IRPF, como sugerido pelo precedente do RE 1.439.539/RS, os contribuintes terão maior segurança jurídica para realizar doações em vida, sem o ônus adicional do imposto federal. Isso pode incentivar a antecipação de heranças, facilitando a organização patrimonial e reduzindo conflitos entre herdeiros. 

Além disso, a tese fixada será vinculante, obrigando todos os tribunais a seguirem o entendimento do STF. Isso trará uniformidade na aplicação da lei, evitando decisões conflitantes em instâncias inferiores. Para os advogados tributários, a decisão reforça a importância de alinhar estratégias de planejamento com os princípios constitucionais, especialmente o da capacidade contributiva e a vedação à bitributação. 

Por outro lado, se o STF, de forma inesperada, validasse a cobrança do IRPF, isso poderia aumentar a carga tributária sobre doações, desestimulando o adiantamento de legítima e impactando negativamente o planejamento sucessório. No entanto, com base no precedente e na jurisprudência do STF, essa possibilidade parece remota. 

O Tema nº 1391 do STF representa um marco no direito tributário brasileiro, ao esclarecer os limites constitucionais da incidência do IRPF em doações como adiantamento de legítima. A controvérsia, centrada na ausência de acréscimo patrimonial para o doador e no risco de bitributação, reflete a tensão entre a competência tributária da União e a proteção dos contribuintes contra tributações indevidas. 

Independentemente do resultado, o julgamento da controvérsia estabelecerá um precedente fundamental que norteará o planejamento patrimonial no Brasil. A definição clara sobre os limites da tributação federal em doações familiares será essencial para estruturar operações sucessórias mais eficientes e seguras, permitindo que famílias organizem a transmissão de patrimônio com maior previsibilidade jurídica e fiscal. 

O escritório Charneski Advogados permanece à disposição para orientar pessoas físicas no planejamento sucessório e tributário, garantindo que as estratégias adotadas estejam em conformidade com os princípios constitucionais e a jurisprudência do STF, especialmente diante das mudanças decorrentes da decisão no Tema nº 1391. 

Autor: João Vitor Janson (joao@charneski.com.br

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