IMPOSTO DE RENDA MÍNIMO DA PESSOA FÍSICA (IRPFM) E DE NÃO RESIDENTES
PL nº 1.087/25 propõe a tributação mínima sobre lucros e dividendos; veja alguns pontos críticos
por Heron Charneski publicado em 24/04/2025O Projeto de Lei nº 1.087/2025, em tramitação no Congresso Nacional, propõe mudanças relevantes no sistema de Imposto de Renda, com destaque para a tributação mínima de lucros e dividendos, um tema sensível que pode afetar a dinâmica de capitalização das empresas.
O Projeto busca instituir, a partir de janeiro do ano-calendário de 2026, o imposto sobre a renda das pessoas físicas mínimo (IRPFM) de até 10% sobre a soma de todos os rendimentos, inclusive os tributados de forma exclusiva ou definitiva e os isentos, recebidos durante o ano-calendário, em montante superior a R$ 600.000,00 (“altas rendas”). Propõe ainda que os lucros ou dividendos pagos a não residentes se sujeitem a uma retenção de IR na fonte de 10%.
Em contrapartida, estabelece um redutor do IRPFM ou um crédito ao não residente, para limitar a carga tributária total sobre lucros e dividendos à alíquota de 34% de IRPJ e CSLL, considerada a soma da alíquota efetiva de IRPJ e CSLL suportada na pessoa jurídica, mais o IRPFM efetivo ou os 10% retidos do não residente.
Exemplificativamente, uma PJ sujeita ao lucro real que tenha uma alíquota efetiva de 30%, quando paga dividendos para uma pessoa física cuja alíquota efetiva seja 10%, ou seja, o somatório ultrapassa o limite de 34% (IRPJ + CSLL somados), o valor do IR complementar sobre os dividendos (6%) será restituído. No entanto, se no mesmo caso o acionista tinha uma alíquota efetiva de zero, deverá recolher IPRFM de 4%, ou seja, até o limite para atingir os 34%.
O PL 1.087/25 propõe que a integração da tributação das pessoas físicas e jurídicas deixe de observar o chamado “método da isenção de lucros e dividendos”, vigente no Brasil desde a Lei nº 9.249/95. No lugar, com algumas variações e “tropicalizações”, entraria um método de “crédito dos dividendos recebidos”, que aceita a dupla tributação da renda nos níveis das pessoas física e jurídica, mas permite ao sócio/acionista um crédito a restituir ou compensar sobre os lucros recebidos.
Como observei no meu livro “Função simplificadora das regras tributárias e o lucro como base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas” (2024), críticas ao método do “crédito dos dividendos recebidos” incluem: a) transfere complexas obrigações acessórias de apuração à pessoa jurídica pagadora dos lucros e dividendos, aumentando os custos de conformidade e podendo impor dificuldades de restituição ou compensação para os sócios; b) produziria excedentes de créditos, se mantidas as alíquotas marginais do imposto de renda na pessoa física inferiores às da pessoa jurídica combinadas; e c) viria a onerar não residentes que não podem aproveitar esses créditos nos países de residência, a inibir o investimento externo.
Com o objetivo de contribuir com a apreciação da proposta, relaciono a seguir alguns pontos técnicos que considero críticos na redação proposta do PL 1.087/25:
1 – falta um critério de correção para a definição do que seria considerada “alta renda”. Com inflação em elevação, o valor ficaria indefinidamente “congelado” em R$ 600.000,00 anuais?;
2 – a ausência de consideração dos gastos (e.g., saúde, educação) no cálculo do IRPFM viola a progressividade pretendida pelo Projeto e o conceito de renda. Mesmo que se esteja firmando jurisprudência no STF quanto à constitucionalidade da limitação de gastos com educação, a ausência de qualquer desconto no cálculo do IRPFM depõe contra a capacidade contributiva e a noção de “renda líquida”
3 – a manutenção de alíquotas nominais elevadas do IRPJ e da CSLL (34% no geral, 40% para seguros e 45% para financeiras) ainda mantêm a carga tributária elevada no nível da pessoa jurídica, o que tende a prejudicar principalmente a competitividade de empresas brasileiras com investidores não residentes ou com investimentos no exterior. A alternativa à dupla tributação proposta seria aliviar a tributação no nível da pessoa jurídica.
4 – quanto ao cálculo do redutor do IRPFM sobre os lucros e dividendos pagos à pessoa física, o cálculo da alíquota efetiva de tributação dos lucros da pessoa jurídica (razão entre o IRPJ e a CSLL devidos e o lucro contábil da pessoa jurídica) considera apenas “o valor devido do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido da pessoa jurídica” (art. 16-B, § 3º, I, “a”). No cálculo do “valor devido” de IRPJ e CSLL, deve ser incluído o Adicional da CSLL (intersecção com Regras do “Pillar 2”), quando devido.
5 – além disso, a tributação efetiva do IRPJ e da CSLL, que muitas vezes se situa abaixo da alíquota nominal global de 34%, é afetada não apenas por “benefícios fiscais”, mas por diversos fatores intertemporais de alocação da renda, como a compensação de prejuízos fiscais e as diferenças entre as taxas de depreciação fiscais e contábeis. O cálculo da redução do IRPFM com base na tributação efetiva da pessoa jurídica deve considerar essas diferenças temporárias, o que não foi previsto. O IRPJ e a CSLL diferidos, com base em diferenças temporárias dessa natureza, também deveriam ser incorporados ao cálculo do IRPJ e CSLL efetivos, sendo um recorte temporal dos tributos devidos, sob pena de reputar-se no “imposto mínimo” de cada ano uma renda inexistente ao longo do tempo.
6 – ainda no cálculo da alíquota efetiva de tributação dos lucros da pessoa jurídica, base para cobrança do IRPFM e da tributação dos não residentes, é de observar que os benefícios fiscais concedidos pelo legislador (Lei do Bem, Perse, Pat, Sudam/Sudene) reduzem naturalmente a base de cálculo do IRPJ e da CSLL e, portanto, as alíquotas efetivas desses tributos. Dessa forma, a tributação pelo IRPFM no nível das pessoas físicas será elevada pelos benefícios concedidos à pessoa jurídica, esvaziando em parte as finalidades almejadas com esses incentivos. A solução de transformar todos esses benefícios em “créditos de tributos reembolsáveis qualificados”, que não afetam o IRPJ e a CSLL devidos, à semelhança das regras Globe, não parece praticável na medida em que afeta quase que a totalidade das empresas tributadas pelo lucro real, que de alguma forma aproveitam pelo menos algum desses benefícios. Esse parece ser um nó górdio do Projeto. Estabelecer mais ajustes no cálculo da alíquota efetiva do IRPJ e da CSLL, para “devolver” parte dos incentivos aproveitados à apuração do redutor do IRPFM, tornaria ao mesmo tempo a sua apuração ainda mais complexa.
7 – a exigência de apresentação das demonstrações financeiras da fonte pagadora dos lucros ou dividendos “na forma de regulamento” para concessão do redutor do IRPFM ou cálculo da alíquota efetiva e do imposto devido pela pessoa jurídica pode acarretar ônus adicional às empresas e novas controvérsias, caso o “regulamento” não se limite à observância da legislação societária e das normas contábeis em vigor. Nesse caso, o legislador poderia prever um limite à regulamentação, que não destoe do que já é praticado pelas empresas submetidas ao lucro real.
8 – prevê-se que a Receita Federal forneça os dados para calcular o valor do redutor na declaração pré-preenchida do IRPF, “a partir das informações prestadas pelas pessoas jurídicas pagadoras dos lucros e dividendos”. Contudo, uma vez que o prazo para entrega da ECD, com a apuração efetiva do IRPJ e da CSLL pelas pessoas jurídicas do lucro real, ocorre normalmente após o prazo para entrega da DIRPF pelas pessoas físicas sujeitas ao IRPFM, pode essa exigência sobrecarregar ainda mais os departamentos tributários, que deverão antecipar os cálculos definitivos do IRPJ e da CSLL do ano-calendário anterior para atender aos prazos da entrega da DIRPF.
9 – finalmente, quanto à tributação de 10% dos lucros e dividendos pagos a não residentes, a falta de previsões no PL 1.087/25, ou mesmo delegações regulamentares, sobre questões procedimentais fundamentais, como a disponibilização do cálculo da alíquota efetiva ao investidor não residente (que deverá pleitear o crédito do “excesso” de tributação) e o próprio processo administrativo de restituição do crédito, compromete a segurança jurídica da medida.
Vale notar que, mesmo no direito comparado, não há consenso entre os pesquisadores se a repartição da tributação entre lucros e dividendos realmente incentiva reinvestimentos (traditional view on dividend taxation) ou se as formas de evitar a incidência do tributo, como operações de buy-back, distribuição disfarçada de lucros, dentre outras, fazem com que essa tributação seja irrelevante para fins da escolha de reinvestimento (new view on dividend taxation).
Seja como for, a escolha de um método de integração de tributação dos lucros e dividendos e seus ajustes, a visão deve ser técnica e conjunta, não se podendo olhar apenas o lado da pessoa jurídica ou dos sócios, como se fossem partes de realidades autônomas. Cada “pessoa” representa uma peça de uma engrenagem tributária que deve funcionar de forma integrada e eficaz.
Lembrando: para que a cobrança proposta se inicie em 2026, o projeto precisa ser convertido em lei ainda em 2025. Assim, deve ser evitada a movimentação de ativos ou alteração de estruturas de forma precipitada, dada a possibilidade de alteração ou até mesmo a não aprovação do projeto ao longo do processo legislativo.
Autor:
Heron Charneski (heron@charneski.com.br)