ICMS – TRANSFERÊNCIAS INTERCOMPANY – REGULAMENTAÇÃO

Convênio ICMS nº 174/2023 trata de transferências de créditos de ICMS e regulamenta decisão do STF
por Enrico de Carpena Ferreira Correa de Barros e Mateus Fachini Campesatto publicado em 14/11/2023

Em 01/11/2023, foi publicado o Convênio ICMS nº 174/23, celebrado pelos Estados da Federação no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, que dispõe acerca das transferências de créditos de ICMS em operações de circulação de bens e mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. De acordo com o Convênio, a partir de 01º de janeiro de 2024, será obrigatória a transferência dos créditos de ICMS relativo às operações anteriores para o estabelecimento destinatário nas remessas interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular.

A celebração do Convênio nº 174/23 ocorreu na esteira do que decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 49, julgada em 19/04/2021.

Naquela oportunidade, o STF declarou não haver incidência de ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Adicionalmente, conforme já abordado neste Portal, em 19/04/2023, dois anos após o julgamento de mérito da ADC nº 49, o STF acolheu os Embargos de Declaração opostos pelo Estado do Rio Grande do Norte, ao efeito de definir que a decisão de mérito só terá eficácia a partir do exercício financeiro de 2024. Nesse sentido, o próprio STF definiu que, até 2024, caberia aos Estados disciplinar, no âmbito do CONFAZ, a transferência de créditos de ICMS entre os estabelecimentos do mesmo titular.

Assim, na sequência do que determinou o STF, foi celebrado o Convênio ICMS nº 174/23, no qual fica definido que o estabelecimento destinatário deverá apropriar créditos por meio de transferência, pelo estabelecimento remetente, do ICMS incidente nas operações e prestações anteriores. Mais especificamente, a sistemática de transferências de créditos adotada pelo Convênio será cumprida de acordo com alguns procedimentos e regras, dentre as quais destacamos os seguintes pontos:

  • Forma de lançamento: será necessária a escrituração do ICMS a ser transferido a débito do ICMS no Registro de Saídas, pelo estabelecimento remetente, e a escrituração a crédito do ICMS no Registro de Entradas, pelo estabelecimento destinatário;
  • Apropriação dos créditos: os créditos de ICMS atendem às mesmas regras previstas na legislação tributária do Estado de destino aplicáveis à apropriação do ICMS sobre operações entre estabelecimentos de diferentes titularidades;
  • Consignação na Nota Fiscal eletrônica (NF-e): a transferência do ICMS entre estabelecimentos de mesma titularidade será procedida a cada remessa, por meio da consignação do valor na correspondente NF-e, a qual será emitida de acordo com as regras do documento fiscal relativas a operações interestaduais;
  • Forma de cálculo do ICMS: o imposto a ser transferido será calculado mediante a aplicação das alíquotas interestaduais de ICMS incidentes sobre (a) o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria; (b) o custo da mercadoria produzida; ou (c) em se tratando de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, assim entendidos os gastos com insumos, mão-de-obra e acondicionamento;
  • Benefícios fiscais: ainda, o Convênio dispõe que a sistemática de transferências de ICMS não importa no cancelamento ou modificação dos benefícios fiscais concedidos pela unidade federada de origem; e
  • Obrigatoriedade da transferência de créditos: por fim, conforme visto, de acordo com o Convênio, torna-se obrigatória a transferência de crédito de ICMS do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino.

Nesse último ponto, em certa medida, o Convênio inova em relação à decisão da ADC nº 49, na qual o STF reconheceu ser “imperioso que se faculte aos sujeitos passivos a transferência de créditos entre os estabelecimentos de mesmo titular, de maneira a manter a não cumulatividade ao longo da cadeia econômica do bem”. Em termos mais claros, ao definir pela obrigatoriedade da transferência de créditos (e não pela sua faculdade), o Convênio pode ter transbordado os limites impostos pela decisão da Suprema Corte, o que tem o potencial de gerar novas controvérsias em certos casos. O ponto é especialmente sensível para empresas que possuem débitos de ICMS a recolher nos Estados de origem, mas não nos Estados de destino das mercadorias transferidas.

Ainda, de um ponto de vista formal, questiona-se a própria legitimidade da regulamentação do crédito tributário por meio de convênio celebrado pelo CONFAZ. Isso porque o art. 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal atribuiu à lei complementar a competência para tratar de normas gerais em matéria de legislação tributária. Por essa razão, defende-se que a disciplina das transferências de créditos de ICMS, conforme estabeleceu o STF na ADC nº 49, é questão constitucionalmente reservada à lei complementar e que excede a esfera de atuação do Conselho Nacional de Política Fazendária.

Nesse ponto, o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 332/2018 poderá agravar essa possível conjuntura de insegurança jurídica. É que tal proposta pretende alterar o art. 12 da Lei Complementar nº 87/1996, ao efeito de vedar a cobrança de ICMS nos casos de transferência de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo contribuinte e prever uma sistemática de transferência de créditos ligeiramente diversa daquela definida pelo Convênio ICMS 174/23. Mais especificamente, o PLS nº 332/18 prevê o seguinte:

a)Não ocorrerá a tributação de ICMS nessas transferências, mas mantém-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores, em que os créditos serão assegurados: (I) pela Unidade Federada de destino, por meio de transferência de crédito, limitados aos percentuais estabelecidos por meio de Resolução do Senado, nos termos do inciso IV, § 2°, do art. 155, da Constituição Federal, aplicados sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada, ou (II) pela Unidade Federada de origem, em caso de diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e prestações anteriores e o transferido na forma do inciso I acima;

b)Alternativamente, o PLS define que, “por opção do contribuinte, a transferência de mercadoria para estabelecimento pertencente ao mesmo titular, poderá ser equiparada a uma operação sujeita à ocorrência do fato gerador de imposto”. Nesse caso, mantém-se o método de transferência de créditos de ICMS atualmente vigente.

Nesse sentido, se aprovado o PLS nº 332/18, poderá haver orientações normativas contraditórias por parte do Congresso Nacional e do CONFAZ, no que diz respeito à faculdade ou à obrigatoriedade da transferência de créditos de ICMS e quanto à própria forma de calculá-los. Atualmente, o referido projeto de lei foi remetido à Câmara dos Deputados e tramita sob o regime de prioridade com a denominação de Projeto de Lei Complementar nº 116/2023, ainda pendente de apreciação.

De todo modo, inexistindo até o momento aprovação do referido projeto de lei, prevalecem a orientação firmada pelo STF no julgamento da ADC nº 49 e as previsões normativas do Convênio ICMS nº 174/23. Assim, tendo o Convênio entrado em vigor na data da sua publicação (01º/11/2023), e havendo previsão para que ele produza efeitos a partir do dia 01º/01/2024, a partir dessa data, os contribuintes deverão cumprir com a nova sistemática de transferência de créditos de ICMS.

Tendo em vista todos esses fatores que circundam a matéria, indicamos que os contribuintes acompanhem essas possíveis alterações normativas no âmbito do Congresso Nacional e, sobretudo, procurem orientação técnica e qualificada para verificar, caso a caso, os impactos do Convênio ICMS 174/23 sobre suas transferências de mercadorias e créditos fiscais de ICMS a partir do ano-calendário de 2024. Além dessas análises, é importante buscar orientação a respeito da melhor estratégia para lidar com eventuais controvérsias que podem surgir com a regulamentação da sistemática de creditamento no âmbito do CONFAZ ou do Legislativo.

NOTA DE ATUALIZAÇÃO:

Na última segunda-feira (20/11), foi publicado no Diário Oficial da União o Ato Declaratório nº 44/23, do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), para rejeitar o Convênio ICMS nº 174/23, que havia regulado as transferências de créditos de ICMS em operações de circulação de bens e mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.

A declaração de rejeição sucedeu a publicação do Decreto nº 48.799/23 pelo Rio de Janeiro, oportunidade em que o Poder Executivo do Estado não ratificou o citado Convênio, ao efeito de torna-lo inválido para todos os estados. Para a Unidade da Federação, “assim como determina a LC nº 87/1996 e decisão exaradas pelo Supremo Tribunal Federal, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado a título de ICMS, sendo um direito uma faculdade e não uma obrigatoriedade, conforme trazido no caput da Cláusula primeira do citado Convênio”.

Conforme estabelece o art. 4º da Lei Complementar nº 24/75, é necessário que o Poder Executivo de cada Unidade da Federação ratifique ou não os convênios celebrados pelo CONFAZ, expressa ou tacitamente, no prazo de 15 (quinze) dias contados da sua publicação.

Com efeito, com a rejeição do Convênio ICMS nº 174/23 pelo Ato Declaratório nº 44/23, destaca-se que as transferências de créditos de ICMS permanecem pendentes de regulamentação, sem a qual será reconhecido o direito dos contribuintes de transferirem tais créditos entre seus estabelecimentos a partir do exercício financeiro de 2024, conforme definiu o STF na ADC nº 49.

­Noticiou-se que o Confaz discutirá em reunião extraordinária na segunda-feira (27/11) uma nova proposta de convênio para regulamentar o assunto, podendo retomar os termos do Convênio ICMS nº 174/23. Ao mesmo tempo, tramita na Câmara dos Deputados o PLP 116/2023, que discute regras para o mesmo problema, mas ainda não pautado para votar.

Em razão desse oscilante cenário normativo, indicamos que os contribuintes acompanhem a atualização do tema para verificar os impactos dessa atual conjuntura de incerteza sobre suas transferências de mercadorias e créditos fiscais de ICMS a partir do ano-calendário de 2024.

Autores:

Enrico de Carpena Ferreira Correa de Barros (enrico@charneski.com.br)

Mateus Fachini Campesatto (mateus@charneski.com.br)

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