COISA JULGADA – FLEXIBILIZAÇÃO – IMPACTOS – MODULAÇÃO DE EFEITOS

Decisões do STF fazem cessar imediatamente os efeitos da coisa julgada em matéria tributária
por Enrico de Carpena Ferreira Correa de Barros publicado em 23/02/2023

No dia 08/02/2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento dos Temas de Repercussão Geral 881 e 885, que versam sobre a eficácia temporal da coisa julgada em matéria tributária. Apesar de não terem sido divulgados os votos dos Ministros, esse julgamento vem repercutindo de maneira intensa nos meios jurídico e empresarial, considerando os profundos impactos dessa decisão em relação a outras controvérsias tributárias.

No caso, por unanimidade, os Ministros do STF firmaram o entendimento de que decisões proferidas pelo Supremo em controle concentrado ou em controle difuso de constitucionalidade (na sistemática da repercussão geral) fazem cessar automaticamente os efeitos temporais da coisa julgada. Essa decisão é aplicável, em especial, para os tributos cuja relação seja de trato continuado, como é o caso da contribuição ao PIS, da COFINS, do IRPJ e da CSLL, por exemplo.

Definiu-se, ainda, que a cobrança desses tributos posteriormente declarados constitucionais pelo STF deverá respeitar a irretroatividade, a anterioridade anual e a anterioridade nonagesimal – a depender da natureza do tributo.

Exemplificativamente, suponha-se que um contribuinte obteve decisão favorável, declarando a inconstitucionalidade de certa cobrança, e, posteriormente, o STF venha a declarar que esse tributo é constitucional. O que o julgamento dos Temas 881 e 885 determina é o seguinte: após a decisão do STF reconhecendo a constitucionalidade do tributo, a coisa julgada particular do contribuinte em sentido contrário terá seus efeitos interrompidos imediatamente. Entretanto, o Fisco apenas poderá exigir o tributo correspondente a fatos geradores posteriores à decisão do STF, devendo atentar à irretroatividade e aos prazos da anterioridade anual e nonagesimal (a depender da natureza do tributo).

O entendimento do STF firmado nos Temas 881 e 885 baseia-se na premissa de que a coisa julgada particular de um contribuinte, em sentido contrário ao posicionamento do STF, representa uma desigualdade competitiva em relação aos demais agentes econômicos.

Ocorre que o presente julgamento efetivamente remodelou a natureza e o papel da coisa julgada no ordenamento jurídico brasileiro. Isso porque, até 08/02/2023, a coisa julgada era considerada imutável, um mecanismo indispensável à garantia da previsibilidade e certeza do direito. A coisa julgada impede que litígios judiciais se eternizem ou sejam reabertos indefinidamente, garantindo, assim, a estabilidade das decisões. Para desconstituir a coisa julgada, o ordenamento jurídico exigia procedimentos rígidos e específicos, sendo necessária a propositura de ação rescisória ou de ação revisional, não se permitindo, em hipótese alguma, a sua automática cessação de efeitos.

Em síntese, essa é a primeira vez que o STF analisa os efeitos de precedentes da Suprema Corte sobre decisões de particulares transitadas em julgado, de modo que a sua automática cessação de efeitos representa, inegavelmente, uma inovação jurídica. Por essa razão, os contribuintes tinham a expectativa de que essa decisão valesse somente para períodos futuros, sem atingir situações já consolidadas no passado, por meio da utilização do instituto da modulação de efeitos.

Entretanto, por maioria de votos, o STF decidiu pela não modulação dos efeitos das decisões dos Temas 881 e 885, o que gerou a repercussão negativa dessa decisão, conforme mencionado anteriormente. Já tendo os Ministros do STF se posicionado expressamente sobre o ponto, é remota a chance de tal entendimento ser reformado em razão da oposição de embargos de declaração por parte dos contribuintes.

Assim, no que diz respeito aos impactos dessa decisão sobre outros casos, tem-se como certo que o Fisco poderá, desde logo, exigir dos contribuintes o recolhimento de tributos declarados constitucionais pelo STF, a despeito de decisões particulares anteriores transitadas em julgado.

Exemplificativamente, esses poderiam ser o caso de temas como: inconstitucionalidade da exigência da CSLL (cuja constitucionalidade foi afirmada pelo STF na ADI 15, em 2007); exclusão do ICMS nas bases de PIS e COFINS, para ações ajuizadas após março de 2017 (não abrangidos pela modulação de efeitos do Tema 69); IPI na revenda de produtos importados (Tema 906); contribuição previdenciária sobre 1/3 de férias (Tema 985); CSLL nas exportações (Tema 8); e COFINS sobre serviços de profissão regulamentada (Tema 71).

Eventuais cobranças do Fisco poderão ser acrescidas de juros e multa, devendo-se atentar aos prazos decadencial (para autuações presentes e futuras) e prescricional (caso o crédito tributário já tenha sido constituído).

Já nos casos em que os tributos estavam com a exigibilidade suspensa (por exemplo, em razão de medidas liminares), a cobrança poderá abarcar também períodos anteriores. É esse, por exemplo, o caso que levou o STF a julgar os Temas 881 e 885, os quais remontam a cobranças de CSLL do ano de 2007 e em períodos subsequentes.

Nesse ponto, considerando os eventuais passivos decorrentes dessa decisão, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou, em 13/02/2023, o Ofício Circular nº 1/2023-CVM/SNC/SEP, em que constam orientações para companhias abertas, no tocante à elaboração e divulgação das Demonstrações Contábeis do exercício encerrado em 31/12/2022. Observa-se que essas orientações valem, igualmente, para os demais tipos societários e para auditores independentes, pois se trata – no entendimento da CVM – da prática contábil mais adequada à apuração dos impactos desta decisão do STF.

De acordo com a CVM, aplica-se ao caso o disposto nos Pronunciamentos n° 24 (dispositivo 24.9) e n° 25 (dispositivo 25.16) do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), devendo as empresas indicar os possíveis passivos gerados em decorrência da presente decisão do STF já nas Demonstrações Contábeis do referido exercício, provisionando eventuais reservas.

Ainda, cumpre mencionar a existência de projetos de lei que visam à atenuação dos impactos dessa decisão. Dentre eles, destaca-se o Projeto de Lei nº 512/23, apresentado em 14/02/2023, que pretende instituir o “Programa Especial de Regularização Tributária do Fim da Coisa Julgada junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional”, com condições especiais de parcelamento e de abatimento de multas e juros.

Por fim, em face de todos esses fatores que circundam o julgamento dos Temas 881 e 885 do STF, indicamos que os contribuintes tenham cautela quanto às medidas a serem adotadas e, sobretudo, procurem orientação técnica e qualificada para verificar, caso a caso, os impactos dessa decisão sobre suas ações em matéria tributária. Além dessa análise, os contribuintes devem buscar orientação a respeito da melhor estratégia para lidar com esses eventuais passivos.

Autor:
Enrico de Carpena Ferreira Correa de Barros (enrico@charneski.com.br)

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