CSLL – ADICIONAL – ADAPTAÇÃO BRASILEIRA ÀS REGRAS GLOBE

MP nº 1.262/24 institui a tributação mínima de 15% dos lucros de multinacionais do Pilar 2
por Charneski Advogaados publicado em 21/11/2024

Publicada em 03/10/2024, a Medida Provisória nº 1.262 institui o Adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a vigorar a partir do ano-calendário de 2025, no processo de adaptação da legislação brasileira às Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária – Regras GloBE. A MP já recebeu diversas emendas e será oportunamente apreciada pelo Congresso Nacional, sendo ainda objeto de regulamentação pela Instrução Normativa RFB nº 2.228, de 03/10/2024, em fase de consulta pública.

Trata-se de iniciativa das autoridades brasileiras no cenário de alinhamento às medidas propostas pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE e os países do Grupo dos Vinte – G20, que empreendem esforços multilaterais para endereçar os planejamentos tributários das multinacionais e os desafios da economia digital. No contexto desses debates, em 2021, a OCDE apresentou a solução do “Pilar Dois”, que prevê a imposição de um tributo mínimo global, com base nas Regras GloBE, para garantir que os grupos multinacionais recolhem valores mínimos de tributos em todas as jurisdições em que atuam.


Nesse norte, em linhas gerais, a MP nº 1.262/24 estabelece que entidades constituintes de um grupo multinacional com receita anual superior a 750.000.000,00 EUR (setecentos e cinquenta milhões de euros) nas demonstrações financeiras consolidadas devem estar sujeitas a uma tributação mínima efetiva de 15% (quinze por cento). Caso esse percentual não seja atingido, a empresa brasileira integrante do grupo estará sujeita a um adicional de CSLL que faça a tributação alcançar esse patamar

A justificativa principal para a MP, conforme a Exposição de Motivos que a acompanha, é que, ainda que o Brasil não recolhesse o tributo complementar, o grupo multinacional que aqui se encontra em situação de bitributação estaria obrigado a pagar o tributo complementar em outra jurisdição onde atue e que tenha implementado a tributação mínima. Dessa forma, a ausência de tais regras no Brasil implicaria uma subtributação sobre as entidades aqui atuantes, com a “exportação” da correspondente arrecadação a outros países. Assim, ao introduzir um Tributo Complementar Mínimo Doméstico Qualificado (QDMTT – Qualified Domestic Minimum Top-up-Tax) como o Adicional da CSLL, o Brasil passaria a ter prioridade no recolhimento do tributo, nos casos em que há subtributação, em detrimento das jurisdições que já implementaram regras de tributação mínima e onde se situam as investidoras ou outras entidades do grupo.

Contudo, como lembra a própria Exposição de Motivos, atualmente cerca de 40 jurisdições instituíram o imposto mínimo global (incluindo os países da União Europeia), sendo que os dois principais parceiros comerciais do Brasil, Estados Unidos e China, ainda não o fizeram.

Quanto à opção brasileira por instituir a tributação mínima como um adicional da CSLL, e não do próprio imposto de renda (IR), essa foi justificada em razão da previsão constitucional de que as contribuições sociais podem ter alíquotas diferenciadas em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho, sendo também autorizada a adoção de bases de cálculo diferenciadas (art. 195, § 9º, da Constituição Federal).

Superadas as regras de enquadramento, é da essência das Regras GloBE que seja verificado se a alíquota efetiva de tributação a que está submetida a entidade em cada base jurisdicional alcança a alíquota mínima de 15%. 

O percentual do Adicional da CSLL será encontrada pela diferença entre essa essa alíquota efetiva e a alíquota mínima de 15%. Esse percentual será então aplicado sobre os Lucros Excedentes da jurisdição para um ano fiscal, que por definição correspondem ao “Lucro Líquido GloBE” (o “Lucro Líquido Contábil Ajustado pelas Regras GloBE”), diminuído da “Exclusão do Lucro Baseado na Substância”, que é um redutor da base de cálculo baseado na folha de pagamento e nos ativos tangíveis da entidade constituinte na jurisdição e para o ano fiscal.

Em apertada síntese (as regras são muito detalhadas), o Adicional da CSLL devido pelas entidades incluídas no escopo será encontrado a partir das seguintes etapas e fórmulas:

1º Determinação da Alíquota Efetiva das Entidades Constituintes em cada Ano – art. 16

2º Determinação do Percentual do Adicional da CSLL (a “alíquota”) – art. 19

3º Determinação dos Lucros Excedentes (a “base de cálculo”) – art. 20

4º Determinação do Adicional da CSLL da jurisdição (a “CSLL a pagar”, a serem atribuídos às entidades constituintes) – art. 27

A despeito da extensão e complexidade das regras do Pilar Dois e da própria MP nº 1.262/24 e IN nº 2.228/24, algumas observações iniciais podem ser mantidas.

Em primeiro lugar, como destaca a própria Exposição de Motivos, a contabilidade financeira é a fonte primária das informações necessárias para a realização dos cálculos das Regras GloBE. Sendo as normas internacionais de contabilidade (padrão IFRS) o padrão contábil brasileiro desde a convergência iniciada com a Lei nº 11.638/07, tem-se uma oportunidade singular para o Brasil de redução dos já elevados custos de conformidade e de fiscalização das entidades sujeitas à MP nº 1.262/24, que já são legalmente obrigadas a preparar demonstrações individuais com base em um padrão contábil mundialmente aceitável. 

As definições de escopo, Alíquota Efetiva, Lucro Líquido GloBE e Lucros Excedentes, dentre outras, reclamam a utilização de um ponto de partida aceitável comum, que no caso brasileiro, desde 2008, é o lucro líquido contábil apurado conforme o regime convergente ao padrão IFRS.

Em segundo lugar, na linha das normas de “transfer pricing”, que alinharam o Brasil às diretrizes da OCDE para o controle dos preços em transações controladas internacionais que afetam a base de cálculo do IRPJ e CSLL de empresas brasileiras (Lei nº 14.596/23 e IN RFB nº 2.161/23), vê-se que a adoção do Pilar Dois também introduz no Brasil previsões legais mais principiológicas, amparadas em conceitos jurídicos indeterminados ou dependentes de minudente regulação administrativa para serem aplicadas.

Nessa linha, a própria MP nº 1.262/24 indica, no § 1º do art. 3º, que a regulamentação administrativa do Adicional da CSLL deverá ser elaborada e periodicamente atualizada “para que esteja emconsonância com os documentos de referência aprovados pelo Quadro Inclusivo da OCDE, e suas disposições devemser estabelecidas de modo a preencherem os requisitos para qualificação do Adicional da CSLL como um Qualified Domestic Minimum Top-up Tax – QDMTT”. Ou seja, não apenas a regulamentação administrativa disporá sobre aspectos essenciais da apuração do Adicional da CSLL, como também essa regulamentação deverá refletir as atualizações dos documentos de referência da própria OCDE.

Por fim, e em terceiro lugar, chama o art. 36 da MP nº 1.262/24, o qual autoriza o Poder Executivo, a partir de 2026, a converter total ou parcialmente, sem prejuízo ao beneficiário, os incentivos fiscais de isenção ou redução do IRPJ nas áreas de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), introduzindo os requisitos de substância adotados no cálculo da Exclusão do Lucro Baseada na Substância previsto nesta Medida Provisória, em um crédito financeiro classificável como um Crédito de Tributo Reembolsável Qualificado. 


Benefícios como esses podem levar a alíquota efetiva das entidades constituintes a um patamar abaixo dos 15%, gerando um adicional da CSLL a despeito da alíquota nominal da tributação da renda ficar atualmente em 34% (IRPJ e CSLL). Com esse movimento, para não esvaziar os respectivos benefícios, a MP permite que o Poder Executivo transforme tais incentivos em “créditos financeiros” (como foi feito com as subvenções de ICMS com a Lei nº 14.789/23), que teriam menor impacto no cálculo do eventual adicional da CSLL a ser pago pelas beneficiárias. O receio, contudo, é que outros benefícios fiscais em vigor, e que afetam a base de cálculo do IRPJ e da CSLL (como Lei do Bem, Perse e outros) venham a ser abrangidos pelo mesmo tratamento.

Aguarda-se, pois, a tramitação da MP nº 1.262/24, para que, em sendo aprovada, passe o Brasil a ter uma “minireforma” da tributação internacional da renda segundo os auspíscios do Pilar Dois. Enquanto isso, pesam críticas à proposta, que vão desde o ferimento à isonomia, até o aumento da carga tributária brasileira e o desincentivo a investimentos no país.

 

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