CRITÉRIO DE DESEMPATE – CARF – MP 1.160/23 – PERDEU EFICÁCIA

Medida Provisória que acabava com o desempate pró-contribuinte perde eficácia em 02/06/23.
por Enrico de Carpena Ferreira Correa de Barros publicado em 12/06/2023

Em 12/01/2023, o Governo Federal anunciou uma série de medidas tributárias com o objetivo de reduzir o estoque de processos administrativos no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Em meio a essas providências, a Medida Provisória (MP) n° 1.160/23 previa a revogação do art. 19-E da Lei n° 10.522/02 e a reinstituição do chamado voto de qualidade, previsto no § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235/72.

Basicamente, a MP pretendia alterar a sistemática de julgamento de processos administrativos federais em caso de empate. De um lado, o art. 19-E da Lei n° 10.522/02 (revogado pela MP), estabelecia que, em caso de empate, a controvérsia seria julgada favoravelmente ao contribuinte. De outro lado, a sistemática do Decreto n° 70.235/72 (reestabelecida pela MP) definia que, em caso de empate, os Presidentes das Turmas de julgamento – conselheiros nomeados pela Fazenda – teriam o chamado “voto de qualidade” (uma espécie de voto duplo).

Essa alteração normativa reavivou um debate recorrente no processo administrativo acerca da composição paritária do CARF, cujas turmas de julgamento têm o mesmo número de conselheiros nomeados pelos contribuintes e pela Fazenda. Além disso, a utilização de uma MP para esse fim pode ser considerada tecnicamente inadequada, pois não estaria preenchido o requisito de “relevância e urgência” para adoção dessa espécie normativa, nos termos do art. 62 da Constituição Federal (CF/88).

Ocorre que, de acordo com o art. 62, § 3°, da CF/88, as Medidas Provisórias devem ser convertidas em lei pelo Congresso Nacional no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, sob pena de perderem sua eficácia. Não havendo essa conversão em lei, o Congresso Nacional deve disciplinar, em até 60 (sessenta) dias, por decreto legislativo, as relações jurídicas impactadas pela MP. Caso o Congresso não o faça, essas relações jurídicas constituídas durante a vigência da MP serão conservadas, nos termos do § 11 do art. 62, da CF/88.

No caso, a MP n° 1.160/23 não foi convertida em lei no prazo previsto na Constituição: mais especificamente, desde 02/06/2023, a MP não tem mais eficácia, de modo que teríamos o retorno do critério de desempate pró-contribuinte, previsto no art. 19-E da Lei n° 10.522/02.

Entretanto, é importante mencionar que essa situação poderá se alterar no futuro, tanto pela atuação do Judiciário quanto pela atuação do Legislativo. Isso porque estão pendentes de julgamento pelo STF as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI’s) n° 6.3996.403 e 6.415, as quais tratam da (in)constitucionalidade do dispositivo normativo que inseriu o art. 19-E na Lei nº 10.522/2002. O julgamento dessas ADI’s foi suspenso em 24/03/2023, após pedido de vista pelo Ministro Nunes Marques.

Por sua vez, no que diz respeito ao Legislativo, em 05/05/2023, foi apresentado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) n° 2.384/2023 que reproduz as alterações normativas da MP n° 1.160/23. Esse PL tramita em caráter de urgência, de modo que ele sobrestará a pauta da Câmara caso não seja apreciado até 20/06/2023. De todo modo, a ausência de conversão da MP n° 1.160/23 em lei revela, em certa medida, uma resistência do Congresso Nacional à alteração da sistemática de desempate nos julgamentos do CARF.

O que preocupa, todavia, são os efeitos negativos dessas mudanças normativas constantes e iminentes. Esse agravamento do cenário de insegurança jurídica na esfera tributária não se limita aos casos julgados pelo CARF na vigência da MP n° 1.160/23.

Para esses casos que foram julgados, cujos impactos são mais visíveis e diretos, haveria, em tese, duas alternativas, as quais exigem uma análise particularizada. De um lado, pode-se aguardar a eventual resolução do Congresso Nacional a respeito das relações jurídicas impactadas pela MP (conforme previsto no art. 62, §§ 3° e 11, da CF/88); ou, de outro lado, pode-se avaliar alternativas no âmbito judicial, a fim de prevenir eventuais prejuízos aos contribuintes impactados negativamente pela sistemática de julgamento anterior.

Quanto à primeira alternativa, como visto, há o risco de o Congresso não editar a resolução, conservando-se os atos constituídos na vigência da MP. Nessa hipótese, há um risco ainda mais grave de violação à isonomia e à segurança jurídica, pois, em um curto período, contribuintes em situações idênticas poderão ter decisões conflitantes. Esse cenário afetaria, inclusive, terceiros, que não saberiam qual orientação jurisprudencial seguir.

Além disso, há outros casos que podem ser impactados de maneira indireta, sobretudo para fins de provisionamento ou de análise de risco. Destacamos que há certas controvérsias especialmente afetadas pelas constantes alterações normativas sobre o critério de desempate. A título exemplificativo, esse é o caso das discussões que envolvem a tributação de redução de passivo ou a amortização do ágio. Nesses casos, tanto para fins de planejamento tributário quanto para fins de provisionamento, a avaliação minuciosa do critério de desempate adotado e dos fundamentos levantados nos julgamentos pretéritos é fundamental.

Em todos os casos, deve-se ter cautela nessas avaliações acerca de riscos e de eventuais medidas para garantir maior segurança jurídica às operações tributadas. Devido à complexidade das discussões e à possibilidade de reversão dos critérios de desempate (vide ADI’s n° 6.3996.403 e 6.415 e PL n° 2.384/23), recomendamos sejam elaboradas análises técnicas e minuciosas dos eventuais impactos que essas decisões e alterações normativas podem gerar.

Autor:
Enrico de Carpena Ferreira Correa de Barros (enrico@charneski.com.br)

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